terça-feira, 26 de novembro de 2013

Joana. A Louca. Rainha Joana I de Espanha. Linda Carlino. «Seriam apenas mentiras? Porque não estava ele presente? Porque se encontrava na companhia do pai? Onde estavam os nobres que deviam representá-lo? Ficou ali, lutando corajosamente para controlar as lágrimas»

jdact

«(…) Todos bradavam pela liberdade, impacientes pela busca de aventura. O capitão e a tripulação alinhavam-se ao longo do convés, esperando, de joelho curvado, o momento de se despedirem da sua preciosa passageira. Os seus brados de ‘Deus vos abençoe’ acalentaram-na e' com um sorriso, Joana virou-se para lhes agradecer. Eles deram vivas, atirando os bonés ao ar. O navio fora ancorado no cais de Bergen-op-Zoom, tendo sido aprontado um longo passadiço através do qual Fradique conduziu Joana até ao passeio empedrado. Como era agradável pisar a solidez e a firmeza reconfortante daquelas pedras, apesar de parecerem subir e descer, quais ondas suaves. Os seus acompanhantes atarefavam-se a seu lado, enquanto o tio a admirava. - Aqui estamos por fim, sãos e salvos, com solo firme debaixo dos pés e vós tão bela. Infelizmente, eles não estão prontos para a recepção. Saberemos o momento de avançar quando os nossos arautos, seguidos dos deles, tiverem anunciado formalmente a vossa chegada. - Em Inglaterra for muito rápido. - Aqui é muito diferente. Tem de ser feito com toda a formalidade, segundo as regras do protocolo. - Não acrescentou que não compreendia o atraso e que estava preocupado. - Gostastes da nossa estada lá?
[…]

 - Vou contar-vos um segredo. Quando ele se despediu para regressar a Londres, declarou: se Catarina, a irmã mais nova desta querida senhora, tiver metade da sua beleza, do seu encanto, da sua graça e da sua inteligência, então terei escolhido a melhor noiva para o meu filho Artur. Joana abriu os olhos de espanto. - Não! Não me estais a dizer que, afinal, ele não era o representante, mas o próprio rei Henrique! E ninguém sabia? - Ninguém sabia. - Fradique riu-se baixinho, deliciado com a admiração dela e levando um dedo aos lábios. - Ah, vejo alguma acção - Já não era sem tempo.
Transportando as trompetas e os estandartes com o brasão, que ostentava os castelos e os leões de Castela, os arautos haviam avançado para a frente do grupo. Os soldados formavam duas magníficas fileiras vermelhas e prateadas e os padres e cortesãos juntavam-se, prontos a colocarem-se segundo o respectivo estatuto e posição.
Uma fanfarra, seguida de outra ao longe, assinalou o início da procissão. Num passo lento e imponente, avançaram em direcção às portas da cidade. Enquanto caminhavam, Joana agarrou a mão de Fradique, sussurrando-lhe: - Vedes Filipe entre os que nos aguardam? - Não, Senhora, ainda não. - Oh, Fradique. - E apertou-lhe a mão com mais força, - Esperai, esperai, tende um pouco mais de paciência – insistiu ele, controlando também a sua crescente inquietação.

Um pouco mais à frente, o coração de Joana começou a bater descompassadamente. Tentara tanto ser corajosa, indo buscar as forças necessárias para aguentar a recepção até ao fim, mas as coisas não estavam a correr conforme o planeado. Havia algo de errado. Tinha a certeza. Porque os haviam feito esperar tanto antes de se dar início ao cortejo? E por que motivo havia tão pouca gente reunida para a receber? A sua diminuta coragem desaparecia rapidamente. Do seio de um comité de recepção bastante escasso, destacou-se um grupo mais pequeno. Joana observou as quatro figuras, consternada. Quatro pessoas: dois bispos, um padre qualquer e uma dama jovem. Não havia mais ninguém! Ninguém mais se lhes juntou. Apenas aqueles quatro. Nada de Filipe. Não se encontrava ali. Filipe não se encontrava ali! Joana cravou os dedos no braço de Fradique. - Ma chère Jeanne, nôtre soeur, sois bienvenue! - a jovem dama sorriu e estendeu ambas as mãos para dispensar a Joana umas boas-vindas o mais calorosas possíveis. Joana largou o braço do tio a fim de corresponder à saudação e devolver o sorriso, num esforço débil e triste. As princesas beijaram as mãos uma da outra. - Querida Joana, é tão bom ver-vos por fim, sã e salva após uma viagem tão longa. Sede bem-vinda ao vosso novo lar. - Após um silêncio constrangido, prosseguiu': - Sou Margarida e estou aqui para vos saudar em nome do meu irmão Filipe, que se encontra ainda em Innsbruck com o meu pai. Creio que as negociações não estão ainda terminadas, mas falaremos disso mais tarde, tendes necessidade de descansar. Vamos levar-vos para uma casa belíssima não muito longe daqui, que pertenceu ao meu avô. Gosto muito dela e tenho a certeza de que também vos agradará e que achareis tudo a vosso contento.
Podereis descansar confortavelmente, enquanto os vossos pertences são descarregados, e tereis tempo de recuperar da viagem. Estou ansiosa por saber tudo de vós e da vossa família, em especial de João, o meu prometido. Quero saber absolutamente tudo... Joana sabia que Margarida falava sem cessar numa tentativa de esconder o seu profundo embaraço. Quanto a si própria, necessitou de todas as suas forças para manter a dignidade e ocultar o quanto sofria. A insultuosa falta de honrarias e, como se isso não fosse suficientemente humilhante, a desconsideração pública por parte do seu futuro marido, que não mostrara qualquer respeito pela sua chegada, era insuportável. Filipe sabia da sua chegada! Devia estar presente para a receber! Pensou na sua carta, em todas as suas palavras impacientes. Seriam apenas mentiras? Porque não estava ele presente? Porque se encontrava na companhia do pai? Onde estavam os nobres que deviam representá-lo? Ficou ali, lutando corajosamente para controlar as lágrimas, de cabeça erguida, sorrindo e cumprimentando, enquanto lhe apresentavam diversas pessoas. No seu âmago existia apenas uma solidão avassaladora». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.

Cortesia de E. Presença/JDACT