domingo, 3 de novembro de 2013

A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847). José Brissos. «Os objectivos que nortearam a sua formação supunham até uma actuação absolutamente reservada. A desconfiança em relação aos miguelistas mais ‘contaminados’ pelo sistema impedia que a sua cooperação fosse solicitada»

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A Montagem de uma Conspiração. Debates de Comando e Direcção
«(…) Como se não bastassem estas assimetrias de funcionamento, o visconde de Queluz louvava, por carta, em nome de Miguel, os trabalhos parlamentares de Caetano Beirão e o corpo redactorial do Portugal Velho. Na verdade, esta orientação nacional de Miguel acabava por ter efeitos contraproducentes. E que se estava a legitimar duas posturas completamente opostas quanto à Restauração. Esta compreensível ambiguidade que tentava reunir em redor do monarca exilado o campo miguelista no seu conjunto, não trazia vantagens politicamente visíveis. O que é certo é que era motivo de dúvidas e perplexidades, para os que estavam tentados em organizar as bases logísticas para um movimento sedicioso contra o Estado liberal. Com efeito, a J.N. não podia representar o campo miguelista no seu conjunto. Os objectivos que nortearam a sua formação supunham até uma actuação absolutamente reservada. A desconfiança em relação aos miguelistas mais contaminados pelo sistema impedia que a sua cooperação fosse solicitada. O problema da unidade dos legitimistas continuava, por consequência, em aberto. Havia consciência disso e os notáveis de Lisboa faziam esforços para prover à criação de uma estrutura unitária, um centro cuja liderança fosse susceptível de congregar as duas correntes de opinião realista e, simultaneamente, possibilitasse uma efectiva organização do partido. Esta proposta contemplava, de acordo com a doutrina oficial, uma articulação com o Centro de Londres, igualmente de nomeação régia.
Quanto à liderança o nome que reunia consenso geral, era o conde de Barbacena. Tratava-se de uma personagem de reconhecido prestígio entre os miguelistas de Lisboa, mas de uma postura bastante reservada e de difícil acesso. Pensava-se que só o próprio Miguel, pela via epistolar, conseguiria demovê-lo. Para a organização do partido começa-se a discutir a ideia de uma sociedade secreta como instrumento de disseminação da sua influência. Ao que parece os defensores desta solução encontravam-se, pelo menos nesta altura (Agosto de 1843), do lado da corrente eleitoral. Era o caso de Caetano Beirão que a colocava como alternativa a uma organização de força, ou seja, uma estrutura preparatória de um movimento armado de Restauração. O conde de Barbacena e outros notáveis miguelistas da capital mantinham claras reservas em relação ao centro de Londres e, por extensão, à própria J.N. Miguel procurava demover essas reticências, através de correspondência directa. O discurso oficial considerava que era de todo o interesse a melhor intelligencia e perfeito accordo entre os nossos amigos, devendo ter confiança nos que se achão revestidos da necessária autoridade, e ajudal-os em tudo quanto possão [...]. O que é certo é que o paralelismo existente, sancionando uma ambiguidade de direcção, se tornava nocivo para a eficácia da J.N., porque fazia supor que as propostas vindas de Londres não representavam genuinamente a opinião de Miguel e, como tal, a desconfiança impunha-se. Assim, não era possível estabelecer um sistema de acção, dada a inexistência de um polo de obediência indiscutível. O resultado é que tudo se quer descutir, todos querem saber tudo, todos querem mandar [...]. Vilar de Perdizes tinha consciência de que era necessário encontrar uma fórmula de unidade respeitável, capaz de diluir as resistências e a desconfiança que um número considerável de notáveis miguelistas da capital mantinham em relação a António Ribeiro Saraiva. Como já foi apontado a única solução consensual, digamos assim, era representada por uma chefia exercida pelo conde de Barbacena. Contudo, este não se mostrava muito interessado num envolvimento directo. Preferia uma conduta de influência discreta, mas distante, guardando o seu empenhamento activo para uma conjuntura mais oportuna.
Não obstante, os esforços da unidade continuavam, visando a indispensável articulação entre o Centro de Londres e o tutelar chefe miguelista. O agente de Ribeiro Saraiva oferecia ao conde, através de José Custódio Sá, uma total disponibilidade para aceitar as suas directivas e conselhos e não receava mostrar-lhe o arquivo da correspondência. Os resultados destas diligências não foram, como era de esperar, extraordinários. Todavia, conseguiu-se uma certa abertura, a qual tornava virtualmente possível uma colaboração por via indirecta. A entrada de João Castelo Branco para a J.N. oferecia, aliás, possibilidades de aproximação com Barbacena, por seu intermédio. Deve dizer-se que estas dificuldades de contacto não significavam uma reserva meramente pessoal. Apesar de um diálogo, ainda que indirecto, já ser possível, o distanciamento do conde de Barbacena enuncia uma posição quanto ao movimento restaurador. No seu entender a conjuntura externa não era favorável e um avanço excessivo dos trabalhos de organização trazia riscos de comprometimento muito superiores às hipóteses de sucesso. Era uma questão de oportunidade. Quanto ao mesmo problema, a posição de Vilar de Perdizes era completamente oposta, pois defendia a intensificação dos procedimentos preparatórios: [...] se a occazião não era oportuna para fazer o movimento, nem por isso era prejudicial, antes indispensável, [...] que elle se preparace com a antecedencia necessaria [...]. Apesar de tais divergências, a confiança ia ganhando terreno e os planos do Centro de Londres passavam a contar com a cooperação de outros notáveis da capital. Era o caso de Martim Freitas, general de cavalaria, que nas autorizações de Miguel vinha a seguir a Barbacena, com possibilidades de o substituir. Sem dúvida, tratava-se de uma aquisição significativa que permitia, de alguma forma, compensar a postura especial deste último. Não sabemos ao certo se ingressou oficialmente na J.N., embora seja tomado como membro da mesma. Mas o mais importante é que a sua colaboração se tornou regular». In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN 972-8288-80-8.

Cortesia de Colibri/JDACT