domingo, 3 de novembro de 2013

A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847). José Brissos. «Deste modo à Junta de Lisboa era atribuído um papel dirigente, até porque pretendia passar, de certa forma, por ser representante da ‘legalidade’ miguelista»

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A Montagem de uma Conspiração. Debates de Comando e Direcção
«(…) Para assegurar uma articulação funcional com o reino decidiu-se fomentar a criação de uma estrutura intermédia, em Lisboa. Para a realização deste objectivo avulta o papel fundamental de António Sousa Pereira Coutinho, morgado de Vilar de Perdizes, antigo correspondente de Macdonell e que passará a ser a partir de 1842 o principal agente de Ribeiro Saraiva em Portugal, desenvolvendo uma intensa actividade em prol da conspiração miguelista durante todo o período em estudo. Assim, depois das diligências iniciais ficava instituída, em Lisboa, a intitulada Junta Central Promotora da Restauração Constitucional da Monarchia, logo em seguida designada por Junta Nacional. Na sua composição entrava desde logo, evidentemente, Vilar de Perdizes, na qualidade de Membro Primeiro, sendo prevista a entrada de mais dois elementos. Deve dizer-se, desde já, que o processo de constituição definitiva da Junta Nacional (doravante J. N.) se arrastou até 1844, apesar dos persistentes esforços do seu elemento mais proeminente: … esta gente accorda do longo letargo em que jazeu, nada tendo aprendido, nada tendo esquecido, 9 annos de nullidade e somnolencia reforsou-lhe a ambição e a vaidade.
O que estava em causa na escolha dos membros da J.N. era o seu prestígio e influência, de forma a que a sua actividade alargasse a audiência à mensagem miguelista, tornando possível a disseminação do plano conspiratório e respectivas condições de mobilização. Começou por ser proposto o desembargador João Cunha Neves e Carvalho Portugal, mas o seu reduzido dinamismo, terá levado, ao que supomos, à sua substituição. Em Setembro de 1844 a J.N., além de Vilar de Perdizes, integrava José Lencastre e João Castelo Branco. O objectivo era que a J.N. funcionasse em Lisboa como um Centro de Acção que com o outro [o de Londres] vá de acordo, e seja como o tronco da grande organização de agencias os nervos activos, que pelo mesmo reino devem ser espalhados e ramificados mais e mais; para em tempo competente e occasião, se poder comunicar a todo o systema impulso e movimento uniformes, combinados, e simultaneos, por onde se obtenha e assegure o dito fim geral a que nos propomos. Ou seja, estava proposto um quadro geral de conspiração coordenado a partir de Lisboa, confiando-se na possibilidade de levantar, simultaneamente, depois dos trabalhos regionais preparatórios, todas as áreas da província. Deste modo à Junta de Lisboa era atribuído um papel dirigente, até porque pretendia passar, de certa forma, por ser representante da legalidade miguelista. Com tais funções e objectivos, não restam dúvidas que uma das condições decisivas para a sua eficácia era a unidade entre os miguelistas.
Como sabemos essa unidade não existia. Além da clara divisão entre as correntes eleitoral e conspiratória, outros factores como rivalidades pessoais, querelas de prestígio, etc., serão sérios obstáculos ao andamento dos esforços da Restauração. O quadro em que Vilar de Perdizes desenvolvia a sua incansável actividade exploratória, o meio miguelista de Lisboa, apresentava as maiores dificuldades, dado que incluía um conjunto de personalidades cuja postura habitual era uma prudente e distante reserva. O seu miguelismo tinha-se tornado, por assim dizer, uma atitude sentimental de fidelidade destituída de um real alcance prático. Passava a ser uma posição coerente de divergência face ao sistema, mas não propriamente fautora, em geral, de processos de insurreição para a conquista do poder. Será esta, aliás, a base da futura ascendência da opção eleitoral. Neste universo realmente condicionante, Vilar de Perdizes defrontava, além dos entraves já referidos, um outro elemento de perturbação. Era a correspondência que a corte de Roma estabelecia directamente com diversos notáveis realistas da capital, autorizando-os a diligenciar no sentido da Restauração. A margem de actuação do agente de Ribeiro Saraiva envolvia um claro risco de sobreposição com outras legitimidades, o que estava longe de ser, politicamente, o mais aconselhável.
Tratava-se de anteriores nomeações visando a criação, em Lisboa, de um centro coordenador da resistência miguelista. Com efeito, em Março de 1837 havia sido formada uma Junta composta por Francisco José Vieira, João Cunha e Henrique Sousa Mafra, coronel de artilharia. Oficialmente tal autoridade não chocava com as atribuições da J.N.. O que se tornava necessário era providenciar a aproximação entre estas duas componentes da legalidade miguelista. Todavia, Ribeiro Saraiva não deixou de exprimir junto de Miguel os inconvenientes desta justaposição de jurisdições e os seus efeitos negativos na montagem do movimento restaurador. Evidentemente que tais autorizações colocavam Vilar de Perdizes numa posição melindrosa, até porque o círculo de contactos pessoais de intenção conspiratória era, por razões óbvias, extremamente restrito e cauteloso. Uma tal situação podia envolvê-lo numa querela de antiguidade e precedências de efeitos absolutamente paralisantes, tanto mais que estavam em causa personagens de grande importância como o conde de Barbacena: … Este novo poder derroga em regra de direito todo o anterior, salvas as condiçoens d'elle, as quaes ignoro, e por sua quallidade expecial salvas sempre as condiçoens, que ignoro, sera e procurará ser sempre suprior, e independente. Esta criação de legitimidades paralelas e, na prática, contraditórias, revelar-se-ia altamente nociva para os esforços de organização e de alargamento das influências». In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN 972-8288-80-8.

Cortesia de Colibri/JDACT