terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria J. Violante Branco. «Bem entrado na idade adulta e partilhando responsabilidades no governo do reino há sensivelmente oito anos, Sancho I devia achar que estava mais que na hora de começar a reinar de facto, depois de uma espera que lhe fazia dano»

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A Longa Espera pelo Trono
Infância
«Naquela manhã de Julho de 1178, o infante embrenhou-se na frente de batalha de forma tão aguerrida que os seus nobres acorreram a ele em aflição, pensando que o perdiam. Tal era a multidão de mouros com os quais Sancho I e a ala que liderava se debatiam, tal o calor da luta que se travava. A acreditarmos na versão da Crónica de 1419, a nossa fonte mais detalhada para o assalto português ao bairro de Triana, em Sevilha, o infante agia como se tudo dependesse do seu desempenho, como se tivesse de provar toda a sua valia naquele momento, face aos homens que apenas começava a liderar, face aos mouros que defrontava e face ao pai, Afonso Henriques, que aguardava, em Coimbra, novas da sua façanha. Afinal, de acordo com essa mesma fonte, este era a sua primeira grande expedição militar sem ele, sem esse pai cuja sombra tanto o enobrecia, mas também tanto dele exigia. Da descrição do comportamento do infante, que não deixa de ser detalhadamente anotado por um cronista que escreve quase duzentos e trinta anos depois do acontecimento, parece poder inferir-se a agonia interna de um homem que não quer esperar mais para se tornar rei de facto, a expectativa de alguém que tem de se movimentar por entre a memória da acção do pai, sempre aguerrido e vitorioso mas impossibilitado de combater desde 1169, e o desejo de demonstrar as suas próprias capacidades como guerreiro, como promotor da continuidade da expansão do reino à custa da luta contra o infiel, enfim, como rei de pleno direito. Bem entrado na idade adulta e partilhando responsabilidades no governo do reino há sensivelmente oito anos, Sancho I devia achar que estava mais que na hora de começar a reinar de facto, depois de uma espera que lhe fazia dano e que justifica o lapso que um seu notário deixou exarado num documento de 1175, dez anos antes da morte do pai, no qual Sancho I, ao conceder um benefício a um seu nobre, menciona o tempo em que Fernando II de Leão invadira Portugal, referindo-se-lhe como a o meu reino. O seu, reino ainda era, e seria até à morte do pai, em Dezembro de 1185, o reino de Afonso Henriques, independentemente do papel que o filho possa ter desempenhado durante os últimos dezasseis anos de vida do primeiro rei de Portugal, ou do que possa ter querido desempenhar.
Assim, não era decerto apenas contra os mouros que Sancho se batia tão denodadamente nessa manhã longínqua de 1178. Era, finalmente, a sua hipótese de se afirmar. E na verdade, nada parece ter ficado igual depois desta incursão, mesmo se ainda ia ter de esperar mais sete anos até assumir o poder real como seu de pleno direito. O episódio do saque de Triana, essa incursão pela qual o infante penetrou bem dentro de território inimigo para o provocar em Sevilha, num dos seus redutos mais sagrados, foi valorizadíssimo por quase todas as fontes narrativas, portuguesas e árabes, que desde muito cedo relatam os feitos e as façanhas de Sancho I, Ibn al Enriq para os cronistas árabes, que não o distinguem bem de seu pai. Todos os que mencionam este feito fazem-no quase como se se tratasse de um acto inaugural do seu reinado, como se se tratasse de um ritual de passagem através do qual o infante pôde aceder, por mérito próprio, à dignidade para que nascera, a realeza. Na verdade, a função guerreira era uma das principais fontes de poder e prestígio para os monarcas ibéricos do século XII. A luta contra os mouros ajudava os monarcas a manter o respeito e a predominância sobre as nobrezas que os apoiavam, sobre os eclesiásticos que os suportavam e a quem promoviam. E era essa mesma função, encarada sob o ponto de vista do monarca que ganha terras para a fé cristã e para Roma, que lhes valia a todos o favor que desejavam receber do Papado, cuja benevolência poderia fazer a diferença entre sobreviver ou morrer politicamente.
Comparticipar do universo dos reis-guerreiros peninsulares, e afirmar-se como o melhor dos seus nobres, primus inter pares, era, por tudo isto, fundamental para qualquer aspirante à monarquia, num mundo em que a sucessão hereditária dos reis ainda estava longe de ser a regra e onde a guerra ainda era a mais importante fonte de acréscimo de poder e prestígio. Mas não era apenas a força militar que conferia legitimidade, era necessário reforçar essa vertente com o assentimento dos restantes membros da sociedade, os seus pares e o seu antecessor. A já mencionada Crónica de 1419 chega mesmo a ter o cuidado de fazer anteceder o relato da primeira vitória de Sancho na sua primeira empresa bélica oficial por um episódio no qual um envelhecido rei Afonso Henriques, pesaroso de não poder participar, mas todo esperançado no seu sucessor teria encomendado o seu filho nesta jornada, mandando-o para a luta sob a sua tutela e protecção pessoal, delegando nele as suas competências e passando-lhe o testemunho. O cronista achou que devia deixar bem explícito na sua narrativa que Afonso Henriques era o inspirador desta reviravolta, através da qual ele mesmo entregava o seu reino a Sancho, investindo-o formalmente na tarefa de levar o seu reino a bom porto e de o conduzir e governar de então em diante. E, consequentemente, a conferir ao novo estatuto do seu filho mais velho a legitimação que apenas a bênção paterna lhe podia dar». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT