sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Pedro, Inês e a Fonte dos Amores. Carolina Michaelis de Vasconcelos. «Quanto a Luís de Camões, o primeiro que pôs em arte a história de Portugal com admirável veracidade, ninguém ignora, que no afamado episódio é o rei Afonso quem levanta a espada fina contra Inês, mas, os brutos assassinos são os ministros que banham as espadas, no seio e no colo de alabastro da vítima inocente»

Cortesia de wikipedia e jdact

Pedro, Inês e a Fonte dos Amores
«(…) Ambas as expressões, põe-nas na boca dela o benemérito Garcia de Resende nas ingenuamente eloquentes Trovas a modo de romance, tão elogiadas desde que Menendez Pelayo as classificou (e bem) como a composição mais verdadeiramente e expressamente nacional do Cancioneiro Geral, em que o editor reuniu o que na Corte Portuguesa se poetou de 1450 a 1515. Garcia de Resende parece ser, além disso, o primeiro trovador que deduziu das cenas de vingança contadas por Rui de Pina a ideia de os três áulicos ministros de el-rei, esquecidos das leis da cavalaria, haverem atravessado com as suas próprias espadas o peito da mansa cordeira cujo sacrifício no altar da razão de estado a braveza natural e medieval de Afonso IV havia ordenado, cedendo aos conselhos dos que temiam o poder castelhano. Seguiu-lhe o exemplo de António Ferreira, em cuja Castro os matadores são dois: Pero Coelho e Diogo Lopes Pacheco.

Mas aqueles
cruéis ministros seus e conselheiros
arrancando às espadas se vão a ela
traspassando lh'os os peitos cruelmente.

Seguiu-lho também o suave Diogo Bernardes, no soneto encomiástico que dirigiu ao amigo e mestre, dizendo-lhe que Inês se teria partido leda deste terrestre mundo, se previsse a sua apoteose,

inda que de mais duros golpes vira
o seu tão brando peito traspassado.

Também seguiu-lhe de perto o exemplo o galego-castelhano frei Jerónimo Bermudez, com nome civil António da Silva, na sua Nise Lastimosa, essa tragédia que, embora seja apenas tradução livre da Castro de Ferreira, passa por original, em virtude das ideias laxas sobre propriedade literária, vigentes tanto na Idade Média como na época da Renascença. Com relação à gente de armas que formava o séquito de el-rei, ele verte as palavras de Ferreira dizendo:

Mas aquelles malditos alevosos...
desnudas las espadas van-se a ella,
los pechos le traspasan crudamente.

Do mesmo modo procederam Mexia Lacerda na sua Ines Reina (1612) e Luís Velez Guevara, que condensou artisticamente num belo drama (1652) a Nise Lastimosa de Bermudez e a Nise Laureada, isto é, coroada. Segunda parte na qual o inventivo e retórico frade parafraseou os versos concisos do autor d'Os Lusíadas,

aquele que depois a fez rainha,

e a

que despois de ser morta foi rainha.

Mesmo aqueles dramaturgos que se ocuparam exclusivamente de Pedro como rei justiceiro, elogiando as suas sentenças e sanhas vingadoras como dignas de um Sábio Salomão, repetem nas suas alusões a Inês a concepção geralmente aceite. Assim o pensativo Alarcão em siernpre ayuda la verdade onde Pedro para explicar a sua severa tristeza alude à morte da querida cujo peito pasó cobarde espada. Assim também o seu imitador Matos Fragoso em Ver y crer, conquanto fale mais do sedento nobre furor de Pedro e do raro e novo artifício da sua vingança do que da injusta tirania de Afonso IV.
Quanto a Luís de Camões, o primeiro que pôs em arte a história de Portugal com admirável veracidade, crente todavia na tese horaciana, ninguém ignora, que no afamado episódio é o rei Afonso quem levanta a espada fina contra Inês, mas, como nos poetas menores, os brutos assassinos são os ministros que banham as espadas, no seio e no colo de alabastro da vítima inocente, como se o poeta houvesse tido o empenho de conciliar as duas figurações: da degolação (de-coll-atione) e a da matança apaixonada. A razão da preferência dada ao peito trespassado parece-me evidente. A morte pela espada é mais nobre, mais estética do que a execução pelo cutelo. Ao peito parece também referir-se a pena de talião executada nos supostos matadores». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, Artigo publicado na Revista Lusitânia, volume II, compilado em Dispersos, Originais Portugueses, I Vária (1º volume), Lisboa, Edições Ocidente, 1969.

Cortesia de E. Ocidente/JDACT