sábado, 23 de novembro de 2013

A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «Homens que assim se reúnem poderiam logo, neste nosso bem amado país, ser suspeitados de constituir um sindicato, uma filarmónica ou um partido. Tais suposições seriam desagradáveis a quem se honra de costumes comedidos»


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«(…) Talvez o povo, renovando um costume sentencioso das idades passadas, lhe venha a dar o nome de Luís-o-Bom. Hoje, nas sociedades democratizadas, não há já possibilidade histórica de que um Rei conquiste o cognome de Grande. (...) Um príncipe moderno, brilhante, cultivado, requintado, de aptidões complexas e fortes, de inteligência largamente absorvente, de vida excelentemente pura, sobe por seu turno ao trono sete vezes secular. Começa este reinado no momento em que, pela dispersa hesitação das inteligências, pelo incurável enfraquecimento das vontades, pela desorganização dos Partidos, pela inércia das Classes, o Rei surge como a única força que no País ainda vive e opera. É por isso mesmo que a autoridade vital, que desde 1820 se escoara do trono e se espalhara pelas instituições democráticas e pelos corpos que as encarnam, parece refluir ao Trono para nele se condensar de novo. É a fase também da suprema ironia queirosiana. Do mesmo ano de 1889, note-se outro texto de Eça, publicado anonimamente no n.º 29 de Março do jornal O Tempo, em resposta a um comentário que, na véspera, Pinheiro Chagas fizera, no Correio da Manhã, à designação de Vencidos da Vida. O escritor começa por caricaturar, referindo-se ao grupo jantante que todas as semanas se reunia no hotel Bragança:

Homens que assim se reúnem poderiam logo, neste nosso bem amado país, ser suspeitados de constituir um sindicato, uma filarmónica ou um partido. Tais suposições seriam desagradáveis a quem se honra de costumes comedidos; o respeito próprio obriga-os a especificar bem claramente, em locais, que, se em certo dia se congregam, é apenas para destapar a terrina da sopa e trocar algumas considerações amargas sobre o Colares.

Logo adiante, o tom é mais dramático, definindo bem o espírito da Geração de 70 nesta sua fase final do grupo dos Vencidos da Vida:

... para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirava.

Que este ideal íntimo, a que os mais importantes representantes da Geração de 70 aspiravam, não foi historicamente atingido prova-o ainda o suicídio de Antero, em 1891. Entretanto, a burguesia fin-de-siècle, indiferente às aspirações dos Vencidos da Vida, prepara-se para uma nova fase da sua história, a da instauração da República, uma república que nasceu da pequena burguesia e que foi, como disse António Sérgio, meramente formal, sem ideias, saída de uma romântica dramatização da política e sem nada melhorar no que é estrutural e básico. Restam as grandes obras literárias dos maiores da Geração de 70. Essas, ainda que obrigatoriamente ligadas e mesmo momentaneamente dependentes de condições históricas e sociais específicas, não podem ser julgadas pelas mesmas leis de transformação e, eventualmente, de progresso.

Vidas e Obras
Dificilmente se poderá estabelecer um paralelo entre as vidas dos principais componentes da Geração de 70. Se as suas origens sociais foram diferentes, da fidalguia açoriana de Antero de Quental à média burguesia lisboeta de Oliveira Martins, passando pela média burguesia portuense, culturalmente mais fechada, de Ramalho Ortigão e pela alta-burguesia ainda com restos de aristocracia de Eça de Queirós, as suas carreiras profissionais e as suas tomadas de posição políticas foram por vezes opostas. Da mesma maneira, embora momentaneamente os seus interesses culturais coincidissem, as suas formações filosóficas, literárias e mesmo políticas foram bem diversas. Mas houve essa convergência momentânea, esse ponto de encontro histórico decisivo, esse súbito partilhar de ideias, em suma, essa vontade comum de redescobrir Portugal no seu todo. E isso bastou para que a dinâmica da geração se desencadeasse. A data oficial deste desencadear de ideias é a de Maio-Junho de 1871, ou seja, a data das Conferências do Casino, em Lisboa. Mas antes e depois, através dos seus pontos em comum, para lá mesmo do que os separa, a Geração de 70 acaba por afirmar-se como uma geração cultural das mais homogéneas». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT