terça-feira, 5 de novembro de 2013

Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus. António B. Coelho. «O Islão é a ‘comunidade do Livro’ sagrado, o “Corão”, a primeira obra em prosa de língua árabe. O Livro veio do céu para o profeta Maomé através do anjo Gabriel. A fonte da explicação do mundo e das normas de vida»

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O Gharb al-Andalus
«(…) De Lisboa enaltecem as bondades da terra e do mar. Tem cinco portas: a porta ocidental com arcos sobrepostos em colunas de mármore, a porta do Mar onde vêm rebentar as vagas, a porta da Alfofa, a porta de Alfama ou da Fonte termal e a porta do cemitério. Domina um vasto plaino atravessado por duas ribeiras. As suas muralhas e a sua história apontam para uma cidade comercial, piscatória e agrícola. E não lhe faltaram poetas como Ibn Mucana Alisbuni Alcabdaque. De Santarém era originário o poeta Ibn Sara e também o autor da antologia Daquira ou Tesouro, Ibn Bassam. O rei de Badajoz Umar al-Mutawáquil foi antes senhor de Évora. Ficou famosa a sua biblioteca e ainda o apoio dispensado a poetas como Ibn Abdun al-Iiebori, autor de um longo poema sobre a queda dos impérios, em particular sobre a queda dos abádidas de Sevilha e a dos aftácidas de Badajoz. Alcácer do Sal destacava-se na construção naval. O último alcaide da praça moura lamentava-se num poema por os altos cargos caírem agora num inspector de alfândegas e num limpador de esgotos.
Silves tinha um estaleiro de construções navais alimentado pela madeira das suas montanhas. Dispunha de uma muralha sólida, plantações e hortas. Os habitantes falavam um árabe muito puro. Em Silves estudou Ibn Amar literatura sob a direcção de vários mestres, entre outros do filólogo Hajaje Yusuf ibn Isa al-Alam, e conviveu, poeticamente e não só, com o governador da cidade, Almuta-mide. De Silves era natural o filósofo Ibn al-Sid.
No século XII, quando a cidade estado de Lisboa caía sob domínio cristão, o movimento dos muridines dava lugar a novos reinos de taifas em Silves, Mértola, Beja, Évora, Niebla, Huelva, Badajoz, Tavira que acabariam dominados pelos almóadas. No território português, os vestígios monumentais não podem comparar-se aos dos grandes centros do Andaluz mas entremostram-se aqui e ali nas muralhas e no paço de Silves, nas muralhas de Alcácer, Lisboa, Elvas, Jerumenha e noutras praças do sul do país. Na porta de Almedina de Coimbra, na mesquita igreja de Mértola, na basílica-mesquita-igreja de Idanha-a-Velha, na torre da igreja de Santa Maria de Tavira, no mimbar da basílica-mesquita-igreja de Santana do Campo em Arraiolos

A Comunidade do Livro
O Islão é a comunidade do Livro sagrado, o Corão, a primeira obra em prosa de língua árabe. O Livro veio directamente do céu para o profeta Maomé através do anjo Gabriel. Nele está a fonte da explicação do mundo e das normas de vida. Por isso, a principal tarefa teórica dos crentes consiste em compreender o seu verdadeiro sentido. Para essa compreensão e para melhor iluminar a acção diária, a Suna ou tradição regista estórias e pensamentos do profeta, transmitidos e seleccionados pelos seus companheiros e pelos seus familiares. A consciência religiosa do Islão centra-se num facto transhistórico, as revelações de Deus a Maomé, mas o tempo não deixou de assinalar a sua passagem. Desde logo, o texto corânico. Embora seja o mais seguro entre os livros sagrados, foi ditado pelo profeta ao longo de vinte e dois anos e a sua actual codificação remonta ao ano de 650 quando governava o terceiro califa Utman, companheiro do profeta.
Nos primeiros tempos, o que unia e impulsionava os guerreiros islâmicos eram os versículos corânicos e os chamados cinco pilares do Islão. Não há Deus senão Deus e Maomé o seu profeta. Esta profissão de fé ou pacto entre a comunidade dos crentes (a umma) e Deus constitui o primeiro pilar que identifica o crente e o introduz na comunidade. O segundo pilar é o da oração pronunciada cinco vezes ao dia, sendo a mais importante a de sexta-feira. Nos primeiros tempos, rezavam a céu aberto e porventura em templos cristãos desactivados do seu culto. E não há notícia de mesquita edificada no Andalus anterior à de Córdova, mandada erigir pelo primeiro emir Abderramão I no local da antiga catedral visigótica. Os restantes pilares são a esmola destinada aos pobres, o jejum no mês do Ramadão e a peregrinação aos lugares santos, ao menos uma vez na vida. A estes pilares, Maomé acrescentou um sexto, já no final da vida, o da guerra santa, pois Deus ama os que combatem pela sua causa». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.

Cortesia de I.Camões/JDACT