A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). A filiação de Avis em Calatrava
«(…) O Cardeal Saraiva
defende a agregação de cavaleiros portugueses à Ordem de Calatrava,
pouco depois da conquista de Évora (1166), tal como já tinha acontecido
com as outras duas ordens militares internacionais (Templários e
Hospitalários). Já Alexandre Herculano, na sua História de Portugal,
defende essa mesma filiação, em cronologia semelhante à apontada, mas em
sentido oposto, isto é, terão sido alguns cavaleiros castelhanos quem, em
território português, terão constituído uma ramificação de Calatrava, sendo os
seus freires indistintamente conhecidos como freires de Évora ou freires de
Cister. Esta opinião, aceite por Silva Tarouca e por Pinto de Azevedo (este
numa primeira fase) vai, no entanto, ser ultrapassada por uma outra, deste
último autor, que defende, como dissemos a propósito da origem da Ordem, a intervenção
de Afonso Henriques na fundação da nova milícia, nomeadamente escolhendo o seu primeiro mestre, Gonçalo Viegas de Lanhoso
e dotando-a de alguns bens necessários à sua sobrevivência.
Terá sido Miguel Oliveira
quem abriu o caminho para a resolução do problema da filiação da Ordem de
Avis em Calatrava. Tendo analisado separadamente a documentação portuguesa
e a pontifícia, concluiu que os monarcas portugueses nunca se referem à Ordem
de Avis como dependendo ou estando associada à castelhana, enquanto que
os documentos emanados da Santa Sé, com uma única excepção (Bula de 1201),
integram a freiria de Évora na Ordem de Calatrava. Por outras palavras,
este autor considera a existência de duas vertentes nos primórdios da
Ordem de Avis: por um lado, a
milícia era portuguesa desde a fundação e assim estava organizada, possuindo
bens próprios para se sustentar, para intervir na defesa e contribuir para a
expansão territorial do país; por outro, a Ordem precisava de ter uma
regra religiosa aprovada pela Santa Sé. E como Roma levantava dificuldades
à criação de novos estatutos, a adopção da regra beneditina de Calatrava,
apropriada a monges guerreiros, para além de não levantar quaisquer problemas à
legalização da nova milícia, permitia que esta obtivesse desde logo todas as
graças e privilégios concedidos não só a Calatrava,
mas também à Ordem de Cister, em cuja hierarquia esta se incluía. Aliás,
esta era uma das vantagens práticas imediatas em que se traduzia essa filiação,
e de que os freires de Avis várias vezes se aproveitaram. Além disso, era
permitido ao mestre português estar presente no capítulo calatravenho, nomeadamente aquando da eleição do mestre. O
recurso ao superior castelhano era também possível, sempre que a situação
interna de Avis o exigisse. Tal aconteceu pelo menos em 1346, altura em que alguns dos principais detentores de dignidades
da Ordem se deslocaram ao convento castelhano, pedindo ao mestre de Calatrava
para intervir em dissensões que corriam entre os freires portugueses.
Por seu turno, e devido
à filiação, os Mestres de Calatrava, ou algum freire expressamente
escolhido em capítulo, deveriam visitar regularmente os cavaleiros portugueses,
acompanhados por um monge cisterciense, com o intuito de confirmar o seu Mestre
(quer no caso da eleição já ter decorrido, quer estando presentes no próprio
capítulo em que tal acto tinha lugar), verificar a sua forma de vida, a sua
espiritualidade e a gestão do seu património. E embora Miguel de Oliveira
considere que o Mestre de Calatrava apenas tinha uma supremacia
honorífica, o certo é que o direito de visita lhe permitiu exercer alguns actos
de jurisdição e autoridade. Assim, e por exemplo, em 1346, dois representantes do Mestre de Calatrava (um comendador
e um abade cisterciense) visitam a ordem portuguesa com o objectivo de
resolverem alguns conflitos entre o Mestre João Rodrigues Pimentel e o
Comendador de Cabeço de Vide, Fernão Rodrigues.
É provável que, ao longo
da Idade Média, vários os Mestres castelhanos tenham visitado o convento de
Avis. Contudo, chegaram até nós apenas dois relatos dessas visitas, para além
da de 1346. A primeira foi
efectuada por Martim Rodriguez e pelo abade cisterciense de Sotos Albos, em 1238, e nela se confirmou o Mestre de
Avis recentemente eleito, Martim Fernandes, e se renovaram (ou relembraram?) os direitos do superior
castelhano: receber a promísíon así
como lo fícíeron antes los Maestres de Avís e de Alcantara ao Mestre de
Calatrava, dar o selo da Ordem ao novo Mestre que nunca devia ser
eleito en la casa de Avís a menos que
el Maestre de Calatrava non sea present, o outro por el, e visitar anualmente
a casa portuguesa. O segundo relato da visita de um mestre castelhano ao
convento de Avis data de 1342. Nesta
altura teve lugar a eleição do Mestre João Rodrigues Pimentel, que conforme os
Estatutos, foi de imediato provido da dignidade mestral pelo visitador
castelhano. Há, no entanto, mais algumas referências documentais que atestam a presença
de mestres ou freires castelhanos em Portugal. E se não temos dúvidas de que
estiveram em Avis, como aconteceu em 1241,
noutros casos não é possível afirmar com segurança que se realizou alguma
visita. Assim, sabemos que em 1221
se encontrava em Arouca, Laurencíus
García, frater de Calatrava, situação que se repete em 1223 (desta feita juntamente com o mestre de Évora e com Gonçalo
Eanes Nóvoa, Mestre de Calatrava) e em 1224
(acompanhado de outros freires castelhanos). Queremos com isto dizer que houve
de facto uma relação de dependência de Avis relativamente à Ordem de Calatrava,
e que esta terá exercido alguma jurisdição sobre a Ordem portuguesa, cujos
contornos ainda hoje não são conhecidos». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.