terça-feira, 24 de junho de 2014

Uma Defesa da Esperança Política. O Futuro e os seus Inimigos. Daniel Innerarity. «A aporia de uma sociedade dinâmica é o conhecimento do futuro ser tão necessário como impossível. Por um lado, essa previsão torna-se muito mais necessária numa civilização dinâmica»

jdact e cortesia de wikipedia

Contra a Falsa Mobilidade
«(…) A questão não está em lutar contra o tempo ou desprezá-lo, mas sim em pô-lo a nosso favor. Boa parte desta tarefa resume-se no conselho para reintroduzir a espessura do tempo da maturação, da reflexão e da mediação onde o choque do imediato e da urgência nos obriga a reagir com demasiada frequência no modo do impulso.Talvez desta maneira as organizações e a sociedade em geral ganhem capacidade de exercer influência nos processos acelerados, o que só se consegue levando a melhor ao tempo abstracto unificador mediante uma gestão do tempo que recorra com inteligência às suas diversas modalidades.

Como se conhece o futuro? Uma teoria da prospectiva
O desejo de antever o futuro é uma constante na história da humanidade. Os seres humanos aspiraram sempre, por motivos diferentes e de modos diversos, a entrever o que aconteceria depois. Os oráculos e as profecias exerciam nas sociedades tradicionais uma função que na modernidade se transformou em planificação e prospectiva. A modernidade incumbiu-se de domesticar a antecipação irracional, convertendo-a em conhecimento metódico do futuro. Mas se alguma coisa nós aprendemos foi que a fascinação pelos prognósticos não faz do futuro uma coisa dócil. O futuro resiste-nos continuamente e cada vez mais, por motivos de tipo estrutural relacionados com a natureza da nossa sociedade. A aporia de uma sociedade dinâmica é o conhecimento do futuro ser tão necessário como impossível. Por um lado, essa previsão torna-se muito mais necessária numa civilização dinâmica, na qual quem se limita ao que está a acontecer nem sequer compreende o que acontece. A imaginação ocupa boa parte do espaço que pertencia à observação. Daí resulta que todos, indivíduos e instituições, nos vejamos obrigados a reforçar as nossas capacidades de antevisão e prospectiva. Mas, ao mesmo tempo, nunca o futuro pareceu tão enigmático como agora. Todos os instrumentos de adivinhação do futuro parecem insuficientemente desenvolvidos para que com eles possamos compreender a complexidade do mundo actual, incaptável e opaco, virado para a inovação e enredado em teias de interdependência. Neste contexto, se quisermos fortalecer a nossa capacidade de configurar o futuro, convém que não nos iludamos quanto às nossas capacidades de antecipá-lo nem quanto à sua irredutível incerteza. A política é obrigada a ser uma peculiar gestão desse desconhecimento do que nos espera; só desse modo conseguirá descobrir as suas verdadeiras oportunidades de intervenção nos processos sociais.

Da Adivinhação ao Conhecimento
O desejo de antecipar o futuro traduziu-se ao longo da história em diversos processos. Se fosse preciso resumir o carácter dos dispositivos e que esse empresa era confiada, poderíamos dizer que nas sociedades arcaicas se pretendia uma adivinhação do futuro concebido como realidade preexistente; que nas sociedades modernas se aspirava a produzir um conhecimento científico do futuro e a planificá-lo metodicamente, vinculando-o, portanto, à liberdade humana; e que nas sociedades actuais há uma maior consciência da sua incerteza, facto que muito moderou as nossas pretensões de o condicionar. De conceber o futuro como o completamente outro, passámos à sua moderna domesticação e ao actual reconhecimento da sua intransparência.
Os seres humanos, as culturas, as instituições, sempre se muniram de processos que na medida do possível lhes concedessem a capacidade de prever o futuro. É essa uma das aspirações elementares do género humano, que pode ser satisfeita de várias maneiras, se bem que sempre dentro dos limites impostos por aquele elemento de inovação e imprevisibilidade que vence qualquer estratégia de protecção absoluta contra surpresas. É possível obter um futuro certo por meio da transformação ritual dos ciclos em círculos e da insistência no modelo original». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT