domingo, 22 de junho de 2014

Lisboa. Urbanismo e Arquitectura. José Augusto França. «Na sua parte oriental, a cerca partia do ângulo nordeste da Alcáçova, ia a Sto. André, subia à Graça, cuja igreja contornava, descendo depois a S. Vicente (também incluído), e ao rio, no sítio do Jardim do Tabaco, correndo depois pela margem até encontrar o local do Chafariz d’El-Rei»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Cidade Medieval
«(…) As muralhas descritas por Osberno cobriam duas áreas, da alcáçova ou cidadela, e dali, pelo monte abaixo, até ao Tejo; dentro da alcáçova no ângulo Noroeste, encontrava-se o reduto do castelo propriamente dito, castelejo no século XVII. A primeira área esposava o monte, a segunda era delimitada por um perímetro que, descendo, ia a Sta. Luzia, onde se abria a Porta do Sol, e inflectia ligeiramente para poente, passando entre o Limoeiro e S. Pedro da Alfama, onde se abria a porta da Alfama, e vinha ao Chafariz d’El Rei, provavelmente do rei Dinis, mas é citado desde cerca de 1220, junto ao Tejo que, dobrando um cotovelo, passava a bordejar até ao sítio futuro da Misericórdia-Conceição Velha, abrindo-se neste percurso a Porta do Mar, a S. João da Praça, provavelmente a única então existente para a banda do rio. À Misericórdia, a cerca fazia ângulo quase recto e começava a subir para a Alcáçova, passando entre os futuros locais da Igreja de Sto. António e da igreja (exterior) da Madalena, onde se abria a Porta do Ferro, e, inflectindo para S. Crispim, após a Porta de Alfofa, encontrava a muralha da Alcáçova. Contavam-se ao todo cinco portas fortificadas, a que, com o tempo, se acrescentariam outras, por necessidades de tráfego e serventia, do lado do rio. Todas elas abriam para caminhos que iam servir os dois arrabaldes, e apontavam para o desenvolvimento destes.
Assim aconteceu, naturalmente e organicamente, e de tal modo que, duzentos anos mais tarde, em 1373, o rei Fernando I fez construir uma nova muralha que envolvesse a realidade do povoamento, que contaria então cerca de 65 mil pessoas nesta nova área de 101 hectares (seis vezes a anterior) definida em duas partes, a nascente e a poente da cerca velha. Rapidamente construída, ante ameaças de guerra com Castela, em dois anos estavam de pé os 5400 metros de muralha e as suas 77 torres, graças ao esforço da população directamente interessada mas também de vizinhanças distantes, de Sintra, Mafra ou Setúbal. Na sua parte oriental, a cerca partia do ângulo nordeste da Alcáçova, ia a Sto. André, subia à Graça, cuja igreja contornava, descendo depois a S. Vicente (também incluído), e ao rio, no sítio do Jardim do Tabaco, correndo depois pela margem até encontrar o local do Chafariz d’El-Rei. Onze portas se abriam na sua extensão, para terrenos ainda despovoados ou quase. Na parte ocidental, a área coberta tinha mais do dobro da outra, e a muralha delimitante corria, a partir do ângulo do castelejo, para Noroeste, pela Saúde (Porta da Mouraria), até junto à Igreja da Pena (Porta de Sant’Ana), daí descia para Valverde (Porta de Sant’Antão), passava a Norte do Rossio e subia à altura de S. Roque (onde se abria uma porta do mesmo nome), para descer na vertical até ao Tejo (hoje ruas da Misericórdia e do Alecrim), deixando no meio a mais importante das novas 36 portas, a de Santa Catarina, e vindo encurvar-se ao Corpo Santo, após o que seguia a beira-rio, deixando de fora as praias do futuro Terreiro do Paço, até encontrar o troço ribeirinho da cerca velha. Nesta parte final, desde o local do actual Município, terá sido aproveitado um lanço de muralha solto, mandado construir pelo rei Dinis em 1294.
Dentro destes novos espaços, ao contrário do que sucedia no espaço primitivo da cidade moura e afonsina, contava-se uma grande superfície plana, na parte ocidental, definida entre o morro do Castelo e a colina contínua de S. Francisco a S. Roque, enquanto, do outro lado, da Alfama até à Graça, se ofereciam terrenos em aclive, como na área velha da cidade. A parte mais rica de Lisboa havia de se desenvolver na primeira área, num tecido contínuo cuja história minuciosa é impossível conhecer. Ruas, travessas e becos foram sendo construídos, multiplicando-se as casas de andares em meados do século XVIII, mas o desenvolvimento realizava-se conforme necessidades minimamente locais e obedecendo também a pólos de atracção que eram os conventos, as novas paroquiais e algumas casas nobres, que aglutinavam clientelas.
Em 6 de Junho de 1395 o rei João I impôs uma primeira ordem neste caos urbano, obrigando a arruar os mesteres, o que significa a existência dum desenvolvimento considerável, que em grande parte é devido ao rei Dinis, protector da baixa ribeirinha, onde se tinham já instalado estabelecimentos públicos, como a Alfândega Real, desde cerca de 1288, e as Fangas da Farinha, cerca de 1300. De qualquer modo, foi o desenvolvimento de Lisboa que caracterizou, demograficamente, o fim da Idade Média em Portugal». In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.

Cortesia de ICamões/JDACT