O Príncipe (1798-1822)
«(…) Na assinatura do Tratado de
Incorporação da Cisplatina, em Montevideu, em 31 de Julho de 1821, participaram os delegados locais
da República Argentina e de Portugal. Em 1818,
vivem no Brasil, onde sediava a efectiva capital do velho Portugal, 3 617
900, dos quais 1 930 000 seriam escravos; os negros eram 1 887
500, os mestiços 628 000 e os índios domesticados 259 400,
esclarece Afrânio Peixoto com base num censo aproximativo. Em Portugal,
acontece, em Junho de 1808, a
derrota de Junot, comandante em chefe da I Invasão Francesa,
general cujos exércitos, ao descerem o vale do Tejo, forçam a transferência da corte
para o Rio de Janeiro e, desde Lisboa, instalam o domínio francês em Portugal;
na II Invasão, dá-se a ocupação do Norte pelo marechal Soult, que
permanece poucos meses no Porto antes de fugir com as suas tropas pra Espanha;
na III Invasão, entre 1810 e 1811, verifica-se a investida
do marechal Massena pela Beira para soçobrar nas linhas de Torres, ou seja, nos anéis defensivos de
Lisboa. No curso da então chamada Guerra
Peninsular avulta a resistência do povo português, encabeçada militarmente
por expedicionários ingleses, comandados por Sir Arthur Wellesley (futuro
duque de Weltington) e pelo reorganizado exército português, façanha que o
futuro imperador do Brasil em especial apreciava. Napoleão alinha primeiro
vitórias de espantar no Centro e Leste europeu e enfim sucessivos reveses
bélicos, antes de perder o trono e de novo o recuperar, até à derrocada final frente
às potências europeias coligadas sob a égide da Inglaterra. As nações
vencedoras, reunidas no Congresso de Viena, entre as quais figura Portugal,
apesar do sobressalto a que põe cobro a Batalha de Waterloo, definem os
novos rumos da situação e política europeias em 1815.
No Brasil, de 1808 a 1817, data do seu casamento,
o príncipe Pedro residirá entre folguedos, cavalgadas e feitos de toureio e caça,
acompanhado pelos seus fiéis e, a seu tempo, pelo infante Miguel, por fim seu
companheiro de todas as bravatas e de todas as loucuras. Segundo Octávio
Tarquínio Sousa, em São Cristóvão e em Santa
Cruz Pedro passava os seus dias mais
soltos e alegres de menino e adolescente, com vindas ao paço da cidade por
ocasião de festejos e solenidades, sem falar nas estadas mais raras no sítio de
São Domingos ao lado da Praia Grande, hoje Niterói, na ilha do Governador, ou
na ilha de Paquetá para a festa de S. Roque. Estudava o Príncipe da Beira?
Estudaria certamente, num horário que não o asfixiaria. E brincava, montava
cavalos, encontrando grande prazer em cuidar deles, em dar-lhes banho e
aprender a ferrá-los. Cedo igualmente se iniciou no desporto arriscado de
conduzir carros à disparada, de chicote em punho. Mas nem todo o dia estaria
nisso ocupado. Versátil como todos os meninos, variava de brinquedo, atraído
por outras ocupações. Se o pai, entregue às coisas do Estado, não podia
conceder-lhe cuidados assíduos, se a mãe, longe dele e atraída pela ambição
política, de raro em raro o via, não lhe faltava a assistência de D. Maria Genoveva
Rego e Matos, sua aia e secretária. A sua educação acontece um pouco ao
acaso, ou pior, isto é, em confissão do próprio, como a de um palafreneiro. Previam-se lições de caligrafia, de matemática,
de história, de geografia, de latim, de música e de equitação, assim como a
aprendizagem de um ofício manual, o de marceneiro, em que se notabilizara o seu
antepassado, o rei José I. Como preceptores surgem, com imagem fosca, o
militar-diplomata Raedemeker e o franciscano frei António da Arrábida, antigo
bibliotecário do Convento de Mafra, já que o príncipe não prima no estudo.
Gostava particularmente de música, tocava diversos instrumentos e compôs, ao
longo do tempo, peças várias, religiosas, políticas e ligeiras. De acordo com as
investigações de Manuel Ivo Cruz, entre elas avultam mais tarde os
futuros hinos do Brasil e de Portugal, principalmente o nosso Hino
da Carta, assim como um Te
Deum e uma sinfonia, etc. Para o efeito, manteve contacto com músicos e
compositores que afeiçoaram esta sua notória predilecção, entre os quais o
austríaco Neukommen, o brasileiro José Maurício e Marcos Portugal. Objecto da sua
pouca leitura, alguns livros de autores conhecidos, nomeadamente Benjamin
Constant, marcaram-no. De ouvido aprendeu muito, aliás como diversos políticos
de gabarito, menos letrados que homens de acção.
A par das primícias amorosas do jovem príncipe, que dão lugar a uma
relação sensual com a dançarina Noémi Thierry, correm diligências de
João VI, por via diplomática, no sentido de lhe encontrar noiva apropriada,
facilitadas pela estirpe, aliada ao prestígio que o enfrentamento do reino com
as tropas imperiais e a eficácia da acção no Brasil tinham valido ao nosso
monarca e a Portugal estatuto de potência renomada, declara Jacques Pirenne. A
escolha recaiu na arquiduquesa de Áustria, D. Leopoldina (1797-1826), filha do
imperador Francisco I e irmã da antiga imperatriz de França, Maria Luísa». In
Luís Oliveira Ramos, D. Pedro, Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe
(1798-1834), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007,
ISBN 978-972-27-1428-0.
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