segunda-feira, 2 de junho de 2014

Poesia. Voz Nua. Matilde Rosa Araújo. «Eu continuo a escrever com tinta vermelha encarnada na minha alegria que por ti foi dada. E ficaste aqui para sempre a escrever a ternura do recado. Ficaste mesmo porque as crianças não sabem partir»

jdact e susanagoncalves

Dario
«Deixa-me tapar-te o frio com um xaile de Sol.
Xaile esplendor de uma alegria de oiro
Dario que me mandaste um papel de caderno
por debaixo da carteira de pinho de mansinho secreta mensagem
escrita num vermelho de coração vivo
ou com um dedo ferido por um espinho de secreta alegria.
E um pacto de sangue nos uniu na tinta vermelha
no teu saber de criança que a vida ainda não fez desaprender.
E o papel trazia poeiras de flores asas de borboletas
calor de bichinho pequeno na infância amado.
Tão menino ainda subsiste o trono, os ombros de Sol espalhados.
Subiste o trono para dizer o segredo inacabado.
Eu continuo a escrever com tinta vermelha encarnada
na minha alegria que por ti foi dada.
E ficaste aqui para sempre a escrever a ternura do recado.
Ficaste mesmo porque as crianças não sabem partir.
Eu herdei este tesouro do papel rasgado do caderno.
E mando um beijo teu a teu pai a tua mãe e Melissa.
Um beijo teu com os lábios vermelhos de ternura aberta.
Unidos os quatro como rios.
Num mar sem esquecimento.
E contudo meu amigo sei que tens frio
e vou tecendo o xaile de Sol.
Com a alegria que me ensinaste».
Poema de Matilde Rosa Araújo, in ‘Voz Nua

In Matilde Rosa Araújo, Voz Nua, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, ISBN 972-24-1161-6.

Cortesia de LHorizonte/JDACT