Guerra
e diplomacia
«(…)
A correspondência dos plenipotenciários franceses ao
seu rei dá conta de que estes avaliaram que o estratagema dos ingleses de terem
se preparado previamente reunindo documentos e principalmente mapas havia sido
muito bem sucedido. Conforme confessariam mais tarde, consideraram que o mapa,
apesar de produzido pelos adversários, os conduzira
com segurança durante
a negociação. Por isso decidiram organizar a mesma estratégia para enfrentar os
portugueses. Entre Dezembro de 1712
e Fevereiro de 1713, quando os
representantes dessas duas Coroas finalmente se sentaram pela primeira vez à
mesa de negociação, os franceses dispunham de mapas e documentos para sustentar
suas posições, o que permitiu que insistissem no primado da cartografia para
configurar o território situado entre o Amazonas e o Oiapoque. Como
relataram a Luís XIV, nós sobrepomos as
cartas, nós medimos o terreno. Foi então a vez dos portugueses se
espantarem com esse estratagema, copiado dos ingleses. Luís Cunha
confessou a seus interlocutores no reino que, quanto às instruções dos
franceses, eles ficaram admirados [com] a
miudeza delas e os documentos e mapas com que vinham autorizadas. Entre
estes havia uma carta que mostrava claramente que o rio Pinzón se
encontrava posicionado nas possessões francesas.
Se, desde o primeiro momento, Luis se impressionou com a
meticulosidade das instruções que os embaixadores franceses haviam recebido,
também não deixou de se queixar de como eram bem diferentes as que ele e o
conde de Tarouca possuíam enquanto representantes de Portugal. Não sem razão,
reclamou com o cardeal Cunha que nós nos
achamos sem uma boa carta daquele estado. As ordens que vieram do reino,
trazidas pelo conde, eram genéricas e ambíguas e, quando se sentaram para
negociar, Luís se lamentou que o último chegara sem uma boa carta do estado [do Maranhão], nem tampouco da parte do rio
da Prata, com a explicação das terras que s.m. ali pretende pelo tratado de
aliança, como também as cópias do que se passou sobre a Colônia do Sacramento.
Desolado, admitiu que que não tínhamos
algum documento ou mapa por onde possamos mostrar que a nossa posse daquela
banda vai sempre seguindo o curso do rio
Amazonas e completou: Sempre
imaginei que o conde de Tarouca vinha provido de todos estes documentos, pois
as promessas dos tratados têm mais força quando são assistidas da mesma justiça.
Por justiça, Luís se referia a qualquer documento, mapas, tratados,
relações, que justificassem a posse histórica de um território e a injusta
ocupação do mesmo pela potência inimiga, como os que apresentaram os franceses
em que o rio Pinzón se encontrava sob sua soberania. Em Utrecht, mapas
começaram a ser utilizados, de forma cada vez mais sistemática, para justificar
e definir as fronteiras negociadas entre nações rivais. Luís ainda
inquiriu José Cunha Brochado, que já cuidara de negociações com a França em 1710, se ele tinha em seu poder algum
documento ou mapa que lhes pudesse guiar, mas se viu frustrado nessa tentativa,
pois o antigo embaixador também não havia sido municiado com tais documentos.
Ainda que, ao final, nas negociações de
Utrecht, os portugueses tenham feito valer seus interesses territoriais frente
aos franceses, a verdade é que a guerra acabou sendo vencida graças mais ao
domínio que os representantes portugueses tinham no campo da diplomacia e dos
antigos tratados, do que no da geografia ou da cartografia. Essa primeira
batalha com os representantes da França foi lição que Luís Cunha levou
por toda a vida. A partir de então, passou a advogar incessantemente o uso de
mapas como indispensáveis para guiar as negociações diplomáticas que se seguiam
às guerras e aos conflitos, insistindo na importância dos mesmos como
instrumentos diplomáticos e reiterando sempre a necessidade de Portugal
produzir uma cartografia precisa da América para municiar e justificar seus
pleitos. Em suas diversas embaixadas que se seguiram a Utrecht, até sua morte
em 1749, o embaixador pediu
insistentemente que lhe fossem enviados mapas mais precisos que permitissem
orientar as negociações em curso. Sua queixa da falta de mapas confiáveis que
pudessem enganar a diplomacia fez com que não só defendesse a intensificação da
produção cartográfica portuguesa, notadamente das regiões vitais ou
fronteiriças na América, Centro-oeste, Minas Gerais, rio da Prata e bacia
Amazónica, mas também se tornou um coleccionador de mapas e informações que
pudessem ajudar na construção de uma cartografia portuguesa cada vez mais
precisa. Nas suas missivas às autoridades no reino insistia na necessidade de
se construir uma base cartográfica sólida acerca dos territórios ocupados pelos
portugueses na América e foi, em grande parte sob sua influência, que desde o
segundo quartel do século XVIII, Portugal deu início a uma verdadeira febre
cartográfica do Brasil, especialmente do interior do sueste, das Minas
Gerais, e das regiões da foz do rio da Prata e da bacia amazónica, para
municiar seus representantes diplomáticos com informações precisas sobre as
regiões em disputa». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra,
Diplomacia e mapas, A guerra da Sucessão Espanhola, O Tratado de Utrecht e a
América Portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v,. 12, nº 23,
2011.
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