segunda-feira, 23 de junho de 2014

O Futuro e os seus Inimigos. Uma Defesa da Esperança Política. Daniel Innerarity. «Hipotecamos socialmente o tempo futuro e exercemos sobre as gerações vindouras uma verdadeira expropriação temporal. Transformamos o futuro na lixeira do presente»

jdact e cortesia de wikipedia

Contra a Falsa Mobilidade
«(…) A fatalização do tempo traduz-se na exigência de aumento da aceleração, da mobilidade, da velocidade e da flexibilidade. É o que diariamente vemos na linguagem das novas elites ultramóveis transnacionais que nos exortam a mexer-nos, a acelerar o nosso movimento, a consumir mais, a comunicar mais rapidamente e a efectuar intercâmbios com optimização do rendimento. Realizou-se uma transferência semântica que poderia explicar muitas deslocações ideológicas da esquerda para a direita: onde havia progresso e revolução há agora movimento e competitividade. O adjectivo revolucionário, faz parte do vocabulário transversal da moda, do management, da publicidade e da pós-política mediática. O fantasma da revolução permanente passeia-se agora como caricatura neoliberal. No fundo, porém, o actual imaginário político tem um discurso prescritivo minimalista, conceptualmente muito pobre: o discurso da adaptação ao suposto movimento do mundo, o imperativo de cada um se mover com tudo quanto se move, sem discussão, interrogação ou protesto. Teríamos então um novo paradoxo: as sociedades podem tombar nas mãos do destino ou da imobilidade justamente nos momentos de maior aceleração, que era precisamente o que os processos de modernização pretendiam evitar.
Nesse caso, talvez tenha razão Fredric Jameson ao assegurar que se dissolveu a antinomia mudança-estagnação. O que pode estar a acontecer é que, em muitos aspectos da vida das sociedades e do mundo em geral, o movimento seja superficial e que no fundo apenas haja uma paralisia radical, um pseudomovimento. Paul Virilio formulou esta ideia no seu conceito de paralisação veloz ou aceleração improdutiva, uma agitação sem reais consequências, se bem que não desprovida de graves efeitos nos seres humanos e na coesão das sociedades. Seja como for, esta ideia corresponde à experiência pessoal de que a maior agitação é perfeitamente compatível com uma imobilidade temporal; é possível estar-se paralisado no movimento, ir a toda a velocidade sem nada fazer, mover-se sem se deslocar e ser até um desocupado grande trabalhador. Para executar um movimento real não basta acelerar, do mesmo modo que a transgressão não é necessariamente criadora e que a mudança nem sempre é inovadora.
Neste panorama, as soluções mais emancipadoras não procedem nem da desaceleração nem da fuga para diante, mas da luta contra a falsa mobilidade. É claro que a lentidão compensatória, tão celebrada em muitos livros de auto-ajuda para a gestão do tempo, pode ser uma estratégia racional. No entanto, gostaria de salientar que o ganho de tempo é uma exigência antropológica fundamental e que, no fundo, as desacelerações fazem parte de uma estratégia geral de aceleração, e poderíamos então falar de desacelerações aceleratórias. O devagar, que tenho pressa não é formulado para perder tempo, mas para o ganhar. Tanto no plano individual como no das organizações, este tipo de argúcia serve para não provocar as perdas de tempo que resultam das acelerações disfuncionais. Também por vezes são introduzidas moratórias no intuito de resolver um problema pontual que, precisamente, estorvava a dinâmica normal.
Se atendermos às circunstâncias políticas, económicas, sociais e culturais em que vivemos, o apelo à desaceleração, como princípio geral, é pouco realista e pouco atraente. Não tem qualquer sentido querer calculadoras mais lentas, maiores filas de espera ou transportes atrasados. A questão central está em determinar em que consiste exactamente um ganho de tempo em cada actividade e em cada momento, o que umas vezes implicará desaceleração e outras o contrário, mas que também pode ser conseguido por outros processos, como a reflexão, a antevisão ou o combate à falsa mobilidade. A minha proposta conclusiva seria, portanto, uma defesa do ganho de tempo, mas não aumentando a aceleração sem mais nem menos, antes combatendo metodicamente a falsa mobilidade. A reflexão estratégica, a perspectiva de enquadramento do instante num campo temporal mais amplo ou a protecção do verdadeiramente urgente são, em última análise, processos destinados a ganhar tempo. Schumpeter fazia a este respeito uma observação que pode vir a propósito. Tomando como exemplo o facto de que os veículos munidos de travão correm com maior velocidade precisamente porque o têm, já nos advertia para a possibilidade de o intuito de eliminar todas as barreiras da aceleração, o desenfreamento do mercado total, nos conduzir justamente ao oposto: à desaceleração económica em termos de recessão e depressão». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT