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1905
«Lorde
Arkley atravessou a sala de visitas. em direcção à varanda. Estava escuro, mas havia
estrelas e as luzes vindas do hotel iluminavam o parque. Ao longe, podia ver-se
a pequenina cidade e o vale arborizado, que se estendia até ao horizonte. Não era
a primeira vez que ia a Marienbad. Sempre achou que aquele sítio era mais agradável
do que as outras estâncias termais tornadas famosas por Eduardo VII. Todos os
anos, depois da regata de Cowes, o rei ia ao estrangeiro para se deliciar com as
águas medicinais. Primeiro, tinha preferido Bad Homburg, que, por causa da sua
presença, se transformou num centro social importante. No entanto, mais tarde,
Eduardo encantou-se por Marienbad, uma pequena cidade num lindo vale da Boémia,
seiscentos metros acima do nível do mar. Marienbad tornou-se então um local muito
elegante e a estância termal favorita das famílias mais tradicionais da Europa.
Apesar
de o rei estar de férias, e de viajar incógnito, como duque de Lanchester, havia
sempre vários estadistas, cortesãos ou políticos, em missão especial, que
tentavam encontrar-se com ele enquanto ali estava. Assim, era impossível para o
rei escapar às responsabilidades impostas pela monarquia. Não é que isso o incomodasse.
Pelo contrário. Depois de muitos anos afastado do Poder por sua mãe, que nunca lhe
permitia participar nos assuntos de Estado, Eduardo sentia-se muito feliz por estar
envolvido em segredos tão importantes. Agora, como rei, usava o seu charme, tacto
e a sua capacidade de liderança nos numerosos contactos que fazia com as dinastias
dominantes. As suas frequentes viagens tinham-no tornado conhecido como um diplomata
nómada. Ano após ano, crescia a sua reputação como bom mediador.
Lorde
Arkley sabia que o rei esperava, impaciente, para saber o resultado da sua última
missão secreta. Mas estava muito cansado: acabara de chegar e, naquele momento,
não tencionava ter uma audiência particular com Eduardo VII. Jantara no comboio
e, para além do copo de champanhe que tinha na mão, não precisava de mais nada
para o animar. A viagem, de várias semanas, tinha sido exaustiva. Mas pior ainda
era. a constante tensão. Era a certeza de que as pessoas que aparentemente o recebiam
tão bem nos estados alemães por onde passara não mereciam nenhuma confiança. Só
agora lorde Arkley podia relaxar. Era delicioso respirar o ar que cheirava a pinho
e pensar que, no dia seguinte, ia beber as águas das fontes de Marienbad, que tinham
fama de conter o mais alto teor de ferro do mundo. E, naquele momento, era disso
que mais precisava. À distância, ouvia música, que, em conjunto com as estrelas
e o perfume a pinho e as flores do jardim, criava uma atmosfera muito romântica.
Mas de
uma coisa lorde Arkley estava certo: não tinha tempo para romances. Foi nessa altura
que ouviu uma mulher gritar. Não era um grito de revolta; mais parecia o lamento
de um animal ferido. A seguir, Arkley ouviu uma. voz suplicar: por favor!
Friederich..., largue-me! Vai..., lamentar tudo isto amanhã! A mulher falava em
inglês e, pelo seu tom, notava-se que estava muito amedrontada. O homem
respondeu em alemão, insultando-a, numa torrente de injúrias tão confusa que lorde
Arkley percebeu que ele devia estar bêbado. Por favor..., Friederich..., por
favor... Não me pode chicotear outra vez... Sabe que isso é..., uma coisa..., que
não devia fazer. Ouviu-se um som gutural, seguido por outro, que aos poucos se transformou
num gemido profundo. Lorde Arkley olhou em volta, consternado. Durante um
momento, não conseguiu localizar de onde vinham aqueles gritos, mas rapidamente
descobriu que o casal ocupava o quarto ao lado do seu. O Hotel Weimar era um
imponente edifício amarelo-claro, típico dos grandes hotéis que estavam a ser construídos
nas estâncias de todo o continente». In Barbara Cartland, À Beira do Lago
Encantado, 1978, Quinta Essência, LeYa, 2014, ISBN 978-989-726-156-5.
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QEssência/JDACT