sexta-feira, 29 de julho de 2016

À Beira do Lago Encantado. Barbara Cartland. «Durante um momento, não conseguiu localizar de onde vinham aqueles gritos, mas rapidamente descobriu que o casal ocupava o quarto ao lado do seu»

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1905
«Lorde Arkley atravessou a sala de visitas. em direcção à varanda. Estava escuro, mas havia estrelas e as luzes vindas do hotel iluminavam o parque. Ao longe, podia ver-se a pequenina cidade e o vale arborizado, que se estendia até ao horizonte. Não era a primeira vez que ia a Marienbad. Sempre achou que aquele sítio era mais agradável do que as outras estâncias termais tornadas famosas por Eduardo VII. Todos os anos, depois da regata de Cowes, o rei ia ao estrangeiro para se deliciar com as águas medicinais. Primeiro, tinha preferido Bad Homburg, que, por causa da sua presença, se transformou num centro social importante. No entanto, mais tarde, Eduardo encantou-se por Marienbad, uma pequena cidade num lindo vale da Boémia, seiscentos metros acima do nível do mar. Marienbad tornou-se então um local muito elegante e a estância termal favorita das famílias mais tradicionais da Europa.
Apesar de o rei estar de férias, e de viajar incógnito, como duque de Lanchester, havia sempre vários estadistas, cortesãos ou políticos, em missão especial, que tentavam encontrar-se com ele enquanto ali estava. Assim, era impossível para o rei escapar às responsabilidades impostas pela monarquia. Não é que isso o incomodasse. Pelo contrário. Depois de muitos anos afastado do Poder por sua mãe, que nunca lhe permitia participar nos assuntos de Estado, Eduardo sentia-se muito feliz por estar envolvido em segredos tão importantes. Agora, como rei, usava o seu charme, tacto e a sua capacidade de liderança nos numerosos contactos que fazia com as dinastias dominantes. As suas frequentes viagens tinham-no tornado conhecido como um diplomata nómada. Ano após ano, crescia a sua reputação como bom mediador.
Lorde Arkley sabia que o rei esperava, impaciente, para saber o resultado da sua última missão secreta. Mas estava muito cansado: acabara de chegar e, naquele momento, não tencionava ter uma audiência particular com Eduardo VII. Jantara no comboio e, para além do copo de champanhe que tinha na mão, não precisava de mais nada para o animar. A viagem, de várias semanas, tinha sido exaustiva. Mas pior ainda era. a constante tensão. Era a certeza de que as pessoas que aparentemente o recebiam tão bem nos estados alemães por onde passara não mereciam nenhuma confiança. Só agora lorde Arkley podia relaxar. Era delicioso respirar o ar que cheirava a pinho e pensar que, no dia seguinte, ia beber as águas das fontes de Marienbad, que tinham fama de conter o mais alto teor de ferro do mundo. E, naquele momento, era disso que mais precisava. À distância, ouvia música, que, em conjunto com as estrelas e o perfume a pinho e as flores do jardim, criava uma atmosfera muito romântica.
Mas de uma coisa lorde Arkley estava certo: não tinha tempo para romances. Foi nessa altura que ouviu uma mulher gritar. Não era um grito de revolta; mais parecia o lamento de um animal ferido. A seguir, Arkley ouviu uma. voz suplicar: por favor! Friederich..., largue-me! Vai..., lamentar tudo isto amanhã! A mulher falava em inglês e, pelo seu tom, notava-se que estava muito amedrontada. O homem respondeu em alemão, insultando-a, numa torrente de injúrias tão confusa que lorde Arkley percebeu que ele devia estar bêbado. Por favor..., Friederich..., por favor... Não me pode chicotear outra vez... Sabe que isso é..., uma coisa..., que não devia fazer. Ouviu-se um som gutural, seguido por outro, que aos poucos se transformou num gemido profundo. Lorde Arkley olhou em volta, consternado. Durante um momento, não conseguiu localizar de onde vinham aqueles gritos, mas rapidamente descobriu que o casal ocupava o quarto ao lado do seu. O Hotel Weimar era um imponente edifício amarelo-claro, típico dos grandes hotéis que estavam a ser construídos nas estâncias de todo o continente». In Barbara Cartland, À Beira do Lago Encantado, 1978, Quinta Essência, LeYa, 2014, ISBN 978-989-726-156-5.

Cortesia de QEssência/JDACT