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Torre
de Londres. Maio de 1465
«(…)
Não teria seu trono se meu pai não defendesse sua causa, se não o ensinasse a
liderar um exército, se não lutasse na batalha por ele. Meu pai arriscou a
própria vida, primeiro pelo pai de Eduardo e então pelo próprio Eduardo, e
finalmente quando o rei adormecido e a rainha má fugiram e Eduardo foi coroado
rei e tudo deveria ser maravilhoso para sempre, ele estragou tudo e se casou
com ela em segredo. Ela deve nos conduzir ao jantar, e as damas se posicionam
cuidadosamente atrás dela, há uma ordem estabelecida, e é extremamente
importante assegurar-se de estar no lugar certo. Tenho quase 9 anos, idade
suficiente para entender isso, e aprendi as ordens de precedência desde que eu
era muito pequena, nas salas de aula. Como ela será coroada amanhã, segue
primeiro. De agora em diante, ela sempre será a primeira na Inglaterra. Caminhará
na frente da minha mãe pelo resto da vida, e essa é outra coisa da qual minha mãe
não gosta muito. Em seguida, deveria vir a mãe do rei, mas ela não está aqui. Declarou
sua absoluta aversão à bela Elizabeth Woodville e jurou que não testemunhará a coroação
de uma plebeia. Todos têm conhecimento dessa rachadura na família real, e as irmãs
do rei ocupam seu lugar no cortejo sem a supervisão da mãe. Parecem perdidas sem
a linda duquesa Cecily para precedê-las, e o sorriso confiante do rei
desaparece por um instante quando vê o local onde ela deveria estar. Não sei
como ele ousa enfrentar a duquesa. Ela é tão assustadora quanto a minha mãe, é
tia do meu pai, e ninguém desobedece a nenhum dos dois. Só consigo pensar que o
rei deve estar muito apaixonado pela nova rainha para desafiar a mãe. Ele deve
amá-la muito, muito mesmo. A mãe da rainha, ao contrário, está aqui; não
perderia esse momento de triunfo por nada. Assume sua posição com seu exército
de filhos e filhas atrás de si, seu belo marido, sir Richard Woodville, ao seu
lado. Ele é o barão Rivers, e todos sussurram a mesma piada: assim como as
águas, os Rivers estão em ascensão. De fcato, eles são bastante numerosos.
Elizabeth é a filha mais velha, e atrás de sua mãe vêm suas sete irmãs e seus cinco
irmãos. Observo o belo e jovem John Woodville ao lado de sua nova esposa como um
menino que acompanha a avó. Arranjou-se um casamento para ele com a duquesa viúva
de Norfolk, minha tia-avó Catherine Neville. É um ultraje, meu pai mesmo disse isso.
Minha tia-avó é uma anciã de quase 70 anos, uma ruína de valor inestimável;
poucas pessoas chegaram a ver uma mulher viver tanto tempo. E John Woodville é
um rapaz de 20 e poucos anos. Minha mãe diz que será assim de agora em diante:
quando a filha de uma mulher que é pouco mais do que uma bruxa é posta no trono
da Inglaterra, alguns feitos sombrios serão vistos. Se um pelicano for coroado,
ele devorará tudo. Afasto meus olhos do rosto enrugado da minha tia-avó e me
concentro em meus próprios afazeres. Minha tarefa é me certificar de que estou
posicionada ao lado de Isabel, atrás de minha mãe, e de que não vou pisar na
cauda de seu vestido; não posso pisar na cauda de jeito nenhum. Tenho apenas 8
anos e preciso fazer isso correctamente. Isabel, que tem 13, suspira ao me ver
olhar para baixo e mexer os pés de forma que eles fiquem sob o rico brocado,
para garantir que não há possibilidade de erro. E então Jacquetta, a mãe da rainha,
a mãe de um pelicano, dá uma olhada rápida para trás, para além de seus próprios
filhos, para ver se estou no lugar certo, se não há erros. Ela olha em volta
como se se importasse com o meu bem-estar e, quando me vê atrás de minha mãe,
ao lado de Isabel, me dirige um sorriso tão bonito quanto o de sua filha, um
sorriso só para mim. Então volta-se para a frente, dá o braço ao seu lindo
marido e segue sua filha neste que é o momento de seu triunfo absoluto. Depois
que caminhamos pelo centro do grande salão, passando por centenas de pessoas
que, de pé, se alegram com a visão de sua bela e futura rainha, e todos estão sentados,
consigo olhar novamente para os adultos na mesa principal. Não sou a única que
observa a nova soberana. Ela atrai a atenção de todos. Seus olhos estreitos são
do mais lindo tom de cinza e quando sorri seu olhar se volta para baixo, como
se estivesse rindo consigo mesma de um segredo deleitável. Eduardo, o rei,
posicionou-se ao seu lado e segura sua mão direita, e, quando ele sussurra ao
seu ouvido, ela se inclina em sua direcção, muito próxima, como se estivessem
prestes a se beijar. O gesto é bastante chocante e equivocado, mas, ao olhar
para a mãe da nova rainha, vejo que ela está sorrindo para a filha, como se
estivesse feliz com o facto de eles serem jovens e estarem apaixonados. Ela não
parece sentir qualquer vergonha. Eles são uma família extremamente bela.
Ninguém pode negar que são tão lindos quanto se tivessem o mais azul dos
sangues nas veias. E são tantos! Seis integrantes da família Rivers e dois
filhos do primeiro casamento da nova rainha são crianças e estão sentados à
nossa mesa, como se fossem jovens da realeza e tivessem o direito de estar connosco,
as filhas de uma condessa. Vejo Isabel dirigir um olhar amargo para as quatro lindas
meninas Rivers, da mais nova, Katherine Woodville, que tem apenas 7 anos, até à
mais velha em nossa mesa, Martha, de 15. A essas meninas, todas as quatro,
terão de ser dados maridos, dotes e fortunas, e não há muitos maridos, dotes e
fortunas disponíveis na Inglaterra nestes tempos, não depois de uma guerra
entre as casas rivais de Lancaster e York, que já dura dez anos e matou tantos
homens. Essas meninas serão comparadas connosco, elas serão nossas rivais. A
sensação é de que a corte foi inundada por novos perfis de traços claros, pele
tão brilhante quanto uma moeda recém-cunhada, vozes sorridentes e excelentes
modos. É como se houvéssemos sido invadidos por uma linda tribo de jovens
estrangeiros, como se estátuas tivessem ganhado vida e dançassem entre nós,
como se pássaros tivessem descido do céu para cantar ou como se peixes tivessem
pulado do mar. Olho para minha mãe e vejo que ela está vermelha de irritação, o
rosto tão corado e contrariado quanto o da mulher de um padeiro. Ao seu lado, a
rainha brilha como um anjo brincalhão, sua cabeça sempre inclinada na direcção
do jovem marido, seus lábios levemente separados, como se ela fosse aspirá-lo
como ar fresco. Acho o grande banquete muito animado, porque o irmão do rei,
George, senta-se em uma das extremidades de nossa mesa, e seu irmão mais novo,
Ricardo, na outra. A mãe da rainha, Jacquetta, sorri calorosamente para a mesa
dos jovens, e imagino que ela planeou isso achando que seria divertido para
nós, as crianças, estarmos juntas, e que seria uma honra ter George na
cabeceira de nossa mesa. Isabel se contorce como uma ovelha tosquiada por ter
dois duques reais ao seu lado de uma só vez. Ela não sabe para que lado olhar,
tamanha sua ânsia para causar uma boa impressão. E, o que é muito pior, as duas
meninas Rivers mais velhas, Martha e Eleanor Woodville, ofuscam-na com facilidade.
Elas têm a aparência delicada de sua bela família e são confiantes, seguras e sorridentes.
Isabel se empenha ao máximo enquanto eu me encontro em meu estado habitual de
ansiedade sob o olhar crítico de minha mãe. Mas as meninas Rivers agem como se
estivessem aqui para celebrar um evento feliz, antecipando divertimento, não repreensões.
São jovens autoconfiantes e propensas à diversão. É claro que os duques reais
vão preferi-las a nós. George nos conhece desde sempre, não somos beldades desconhecidas
para ele. Ricardo ainda se encontra sob a tutela de meu pai, como seu protegido;
quando estamos na Inglaterra, ele é um entre a meia dúzia de rapazes que vive connosco.
Ele nos vê três vezes por dia. É claro que se sentirá compelido a olhar para Martha
Woodville, que está toda arrumada e é nova na corte, além de bela como a irmã,
a nova rainha. Mas é irritante a forma como ele me ignora completamente. George
tem 15 anos e é tão bonito quanto seu irmão mais velho, o rei, alto e com cabelos
claros». In Philippa Gregory, A Filha do Conspirador, 2012, A Guerra dos Primos,
volume IV, Civilização Editora, 2013, ISBN: 978-972-263-519-6.
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