domingo, 31 de julho de 2016

Narrativa no 31. A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI. Pedro Chambel. «… durante a convalescença de Diomedes, após ter sido ferido em combate, Briseide vai constantemente vê-lo, embora escondendo o amor que por ele já sente»


Cortesia de wikipedia e jdact

A Narrativa de Troilo, Diomedes e Briseide. O Amor Cortês
«(…) O tópico da personificação do amor e dos efeitos que provoca encontra-se, assim, realçado na obra, expressando-se de forma pormenorizada e hiperbólica as consequências que induz no apaixonado cavaleiro, que pela sua acção perde, perante a amada, a bravura e impetuosidade que o caracteriza. No que respeita ao comportamento de Briseide, até tomar Diomedes por amigo e amante, é sobretudo pelas palavras do narrador, de Troilo, nas do monólogo final da donzela e pelo seu comportamento que se transmite as diversas fases que originam a troca de amante, pois, no geral, Briseide continua a manifestar o amor pelo cavaleiro troiano. Assim, se no primeiro encontro com o herói grego, esta declara encontrar-se apaixonada por Troilo e decidida a manter a jura de amor que ambos fizeram, acaba por afirmar que não sabe se pode confiar em Diomedes, acentuando que as donzelas devem saber evitar os falsos amantes que as tentam enganar. Após falar com o pai, enquanto ainda manifesta o seu pesar por deixar Tróia e o amante, o narrador refere como, em três dias, a donzela esquecerá o desejo de voltar à cidade que foi forçada a abandonar. Seguidamente, quando recebe o cavalo que Diomedes tinha conquistado a Troilo, Briseide afirma ao donzel que lho entrega, que se aquele lhe quer bem, não deve atacar os que ela ama e anuncia a vingança do filho de Príamo, reiterando o amor pelo herói troiano. Num quarto momento, quando entrega o cavalo a Diomedes, elogia o valor guerreiro dos troianos e, em particular, o de Troilo. No entanto, o narrador afirma que a donzela, apercebendo-se que já tinha em seu poder o cavaleiro grego, torna-se alegre e dá-lhe uma manga do seu brial para que ele o use na batalha, empunhando-o na lança como pendão.
Finalmente, durante a convalescença de Diomedes, após ter sido ferido em combate, Briseide vai constantemente vê-lo, embora escondendo o amor que por ele já sente. No entanto, acaba por o assumir, o que leva o narrador a afirmar como procedeu mal ao abandonar o valoroso Troilo. Entretanto, este, depois de ferir Diomedes, condena a traição de Briseide perante mil cavaleiros, culpando-a do ataque que perpetrou contra o seu novo amante, e, depois de afirmar a inconstância da donzela, diz a Diomedes que não será o último cavaleiro que por ela sofrerá. A mesma admoestação à donzela é repetido por Troilo, depois de desarmado pelas donas e donzelas de Tróia, ao afirmar que a inconstância amorosa é própria das mulheres que assim enganam os que as amam e por elas combatem. Entretanto, antes destas palavras proferidas por Troilo, que marcam a última referência à donzela na versão galega da Crónica, surge o longo monólogo de Briseide. Neste, a donzela expressa quatro ideias principais: admite o erro de ter abandonado Troilo, concordando com os que condenam o seu procedimento, nomeadamente as donas e donzelas de Tróia, afirma a inconstância amorosa das mulheres que mesmo casadas escolhem amantes, justifica a sua atitude pelo facto de ter ficado só, sem conselho e desamparada, e, por fim, jura lealdade a Diomedes, manifestando o desejo de recuperar a alegria antes sentida. Durante o monólogo torna-se patente a incerteza da donzela na validade da argumentação justificativa da troca de amante, introduzindo-se o tema da culpa. Assim, a atitude de Briseide é condenada pelo narrador que não só a exprime nos seus comentários, como nas frases proferidas por Troilo, enquanto a inconstância amorosa acaba por ser considerada como uma característica do comportamento feminino. Neste sentido, Jean Fappier afirma que Benoit de Saint Maur manifesta no Roman não só uma ideia pessimista e fatal do amor, como uma atitude anti-feminista. Penso, no entanto, que o comportamento da donzela permite, igualmente, o desenvolvimento dos vários motivos ligados ao tema do amor cortês na narrativa, nomeadamente, como refere o mesmo autor, la description minutieuse des symptômes de l’amour maladie, e os tópicos da traição, dos remorsos e da culpa. Manifesta-se, assim, a influência da concepção ovidiana do amor, adaptada ao gosto cortês.

As Proezas Guerreiras de Troilo e Diomedes
Por fim, abordarei de forma sucinta as proezas guerreiras associadas ao episódio que escolhi analisar. Assim, a disputa que decorre, no plano amoroso, entre Diomedes e Troilo passa para o campo de batalha a partir do momento em que Briseide abandona Tróia, sucedendo-se os combates individuais entre os dois inimigos. É neste contexto que se narra o inicial triunfo de Diomedes sobre Troilo, que lhe permite capturar o cavalo do adversário, depois enviado a Briséide, e a posterior perda da sua montada, oferecida por Polidamante a Troilo. Os combates desenrolam-se como justas medievais e o narrador não deixa de assinalar como se efectuam com o intuito de demonstrar a Briseide, a valentia e o valor guerreiro dos oponentes. Entretanto, em momentos diferentes, ambos os cavaleiros utilizam nas suas armas, como pendão, ofertas da amada, assinalando o amor que a ela dedicam]. Por fim, é Troilo que acaba por ferir gravemente Diomedes, pensando os gregos que de forma mortal. De resto, após a morte do irmão Heitor, Troilo torna-se o principal combatente dos troianos, que nele depositam a esperança na vitória, relatando-se, então, como as donas e donzelas assistem aos seus feitos de armas nos muros da cidade, e os cuidados e atenções que lhe dedicam após as batalhas. Ora, é precisamente a bravura demonstrada perante os cavaleiros de Aquiles, aliada à derrota que lhes inflige chefiando as hostes troianas, que motiva a impetuosa decisão do herói grego de voltar a combater, acabando por o matar, com a ajuda dos seus cavaleiros. Depois, de lhe cortar a cabeça, Aquiles arrasta o corpo de Troilo preso à cauda do cavalo, motivando a vingança de Hécuba. Entretanto, depois da referida fala de Troilo às donzelas e damas de Tróia, em que manifesta a inconstância amorosa que caracterizaria o comportamento feminino, Briseide deixa de ser referida pelo narrador, finalizando o episódio que relata o antagonismo dos cavaleiros, motivado pela disputa do amor da donzela. Se no que respeita a Diomedes ainda se narra, nomeadamente, como acabou, após diversas vicissitudes, como a disputa pela posse do Paladium, por ser recebido no seu reino, não surge qualquer alusão ao seu amor por Briseide». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/JDACT