domingo, 24 de julho de 2016

Política e Gestão Florentina. Maquiavel. «Se quisermos manter a liberdade. Eis o pressuposto maior do arcabouço analítico de Maquiavel. O cepticismo e o pessimismo de Maquiavel não são posições metafísicas, mas resultado de seu serviço público»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Política, mesmo sendo uma desgraça, é necessária para manter a liberdade. Eis a característica inovadora de Maquiavel e a razão de seu interesse permanente. Esta é a mensagem maior das suas obras ditas menores aqui reunidas como conjunto pela primeira vez em português. Murderous Machiavelli, dizia Shakespeare. Política diabólica. Ética feroz. Ler Maquiavel assusta. Mas não culpe o mensageiro pela mensagem. Para manter a liberdade, todos os cidadãos e todos os Estados enfrentam os dilemas de decisão política e as realidades da gestão pública. Neste sentido é uma grande satisfação lançar Política e Gestão Florentina. Como os novos perfis políticos e diplomáticos ainda estão indefinidos, nosso propósito de publicar estes trabalhos de Maquiavel não é promover respostas ou apresentar propostas. Ao contrário, acreditamos como já citado no primeiro número de clássicos em Ciências Sociais na Administração de Max Weber, que uma leitura dos clássicos sempre se justifica, não porque oferece respostas, mas porque sua leitura sugere, novamente e sempre, perguntas novas a serem colocadas. Assim, ler os textos de Maquiavel reunidos neste volume é de especial importância neste momento de reavaliação do papel do Brasil na política internacional.
Para Maquiavel, a acção política numa república pode se afastar do sentido antigo de virtude por causa das situações e das necessidades. Mas, do facto de que, em condições adversas, estes comportamentos são justificados, não se deve inferir demais. Se tomarmos o título que John Rawls usou para responder a seus críticos; é a política, não a metafísica, podemos também qualificar a virtude política. O dever da gestão e da decisão política é de manter a liberdade dos cidadãos no Estado (de preferência republicano) no meio de um fluxo de realidades que, em geral, são alheios ao controle e aos códigos morais simples. Assim, adoptando os conceitos de Maquiavel, a actuação política visa domar a fortuna e assim assegurar glória e fama. Longe de heroísmo, o tom de Maquiavel é de cepticismo e cautela. Por exemplo, os dois últimos textos são observações sobre a reforma e a gestão dos muros de Florença. Maquiavel sobriamente calcula, em vão, como conter a tomada militar da sua cidade, desta vez não pelas tropas do papa e das forças da reacção monárquica, como em 1512, mas agora perante mais uma conjuntura terrível iminente; o saque de Roma em 1527 por forças germânicas e espanholas. Então, antes de fechar um triângulo analítico entre os conceitos de fortuna, glória e fama para deixar o humanismo e a ética fora, falta lembrar a frase que serve de nossa epígrafe. Esta frase é a primeira no discurso proferido por Maquiavel ao Magistrado dos Dez sobre a situação de Pisa já como secretário da chancelaria do Estado florentino em 1499. Se quisermos manter a liberdade. Eis o pressuposto maior do arcabouço analítico de Maquiavel. O cepticismo e o pessimismo de Maquiavel não são posições metafísicas, mas resultado de seu serviço público enquanto assistia factos históricos como o fim da liberdade da sua cidade, a sua ocupação militar, e os abusos mais terríveis de mercenários bárbaros e tropas da Espanha sobre os seus conterrâneos.
Em 1494, aos vinte e cinco anos de idade, Maquiavel entrou no serviço público florentino enquanto caiam do poder os Médici. Em 1498, o ano que ocorrera a execução de Girolamo Savonarola na praça principal de Florença, Maquiavel chegou à segunda chancelaria da cidade para servir como secretário do Comité dos Dez, responsável pela defesa militar. Em 1505-6 é responsável pelo alistamento militar e tenta implementar uma alternativa à contratação de mercenários (aversão já adquirida durante sua missão e observação da desordem causada pelas tropas suíças e Guascones usadas por Florença para reprimir revoltas em Pisa em 1500). Ainda ao serviço da sua cidade, participa de missões diplomáticas na França, no Vaticano e na Alemanha. Depois da retirada da França da Itália em 1512 e de cair Gonfaloniero Piero Soderini, Lorenzo de Médici e um Comitê de 70 acabam com o governo republicano e despedem Maquiavel. Assim, ao contrário das preocupações em debates que perduram até hoje sobre a composição, o propósito e o conteúdo do Príncipe, os textos de Maquiavel registam seu serviço ao governo republicano florentino.
Política e Gestão Florentina, obra inédita em língua portuguesa, compõe as chaves de entrada ao pensamento político maquiaveliano. São, basicamente, os relatórios escritos ao tempo que Maquiavel trabalhou como Segundo Secretário da República de Florença, entre 1499 e 1512. Trata-se de relatórios de participações em legazioni e comissarie políticas junto aos mais destacados actores políticos da época, combinados à fina observação do desenrolar da acção encarnada pelo papa Alexandre VI, rei Francisco I, de França, imperador Maximiliano I, do Sacro Império, papa Júlio II, César Bórgia, modelo de príncipe a pendular entre fortuna e virtù, anterior ao último modelo, Castruccio Castracani, pleníssimo de virtù, e outros menores. A observação atrela-se à análise política desde os factos da política, como a prenunciar o dito fundante de seu futuro livrinho, como carinhosamente Maquiavel referia-se ao Il Principe¸ em carta ao amigo e confidente Francesco Vettori, Secretário papal, datada 10 de Dezembro de 1510, la verità efetualle delle cose». In Maquiavel, Política e Gestão Florentina,Série Ciências Sociais na Administração, Fundação Getulio Vargas, EAESP, tradução Renato Ambrosio, Wikipedia, 2010.

Cortesia da FGVargas/JDACT