quarta-feira, 20 de julho de 2016

Arquivo Secreto do Vaticano. Coordenação Geral de José Eduardo Franco. «O período a que pertence a maioria vai dos finais da era seiscentista aos início do século último, no fundo cobrindo uma muito longa duração…»

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Expansão Portuguesa. Oriente
Coordenação científica de João F. Marques e José Carlos Miranda
«O rio da história é alimentado pelo caudal da memória que por via oral e escrita vai deixando marcas ou vestígios do passado. Assim se caminha ao encontro do acontecido, saciando a curiosidade e a sede de conhecer nunca satisfeitas, acerca do que tem sido, na feliz designação de Marc Bloch, a vida dos homens no tempo. A globalidade da rede multissecular da missionação europeia, que os descobrimentos ibéricos iniciaram nos espaços continentais de que se assenhoreavam, continua a ser mina, em aberto, imensa e sedutora. A pesquisa e a crítica de há muito a penetram como focos de luz que, iluminando ignoradas e escuras galerias, permitem ver o fenómeno em sua inteira extensão e labirínticos contornos nunca suficientemente explorados. Nichos arquivísticos, nacionais e estrangeiros, têm atraído o interesse de investigadores portugueses cujo aturado labor e ambição dos projectos fizeram jus a um reconhecimento imorredoiro. Silva Rego, António Brásio e Artur Basílio Sá acodem de imediato como cabouqueiros pertinazes de valia difícil de superar, tal a grandiosidade dos acervos legados. Junta-se-lhes, na circunstância, a série documental afim [Archivio Segreto Vaticano / Archivio della Nunziatura in Lisbonna, Documentação Sumariada Referente ao Oriente] que a avisada e benemérita Comissão dos Descobrimentos promoveu e subsidiou, quantum satis, agora oferecida ao público. Não sendo os documentos compilados transcritos em sua inteireza textual, as súmulas apresentadas de cada um não escamoteiam em nada o essencial do conteúdo dos mesmos, o que possibilita a análise exploratória pretendida e ajuizar do interesse da integral leitura do escrito. A metodologia seguida obrigou, como de não difícil entendimento se percebe, a ingente e beneditina colheita e cuidada sumariação de que resultou o repositório de cerca de cinco milhares documentos expedidos pela Nunciatura de Lisboa e pelo Vaticano em cujo Arquivo Secreto se encontram. O período a que pertence a maioria vai dos finais da era seiscentista aos início do século último, no fundo cobrindo uma muito longa duração, em que Portugal conheceu as Invasões Francesas, a instauração da Monarquia Liberal e o advento da República, que correspondeu ao acentuado declínio e agonia do Padroado. De resto, o pomo da discórdia incidia sobre controvérsias e atritos jurisdicionais, graves como lamentáveis, entre a Nação Fidelíssima e a Santa Sé através da Propaganda Fide, que superintendia a evangelização missionária em terras da gentilidade onde habitava esse outro diferente, rácico, cultural e religioso, a converter à fé católica. Aliás, tudo se passava em espaços territoriais que sofriam inevitáveis mudanças de soberania e governação política, pertenças da imensa Ásia, da Índia à China, e da África meridional, do Atlântico ao Índico. Placas giratórias permaneceram até quase nossos dias Goa e Macau que abrangiam áreas da Península Industânica, África Oriental, Pérsia e sueste asiático, bem como o grande império Azul Celeste até tocar a Coreia, aonde os missionários portugueses semearam cristandades. Na órbita do Padroado, o contencioso com a Propaganda Fide, nos séculos XVIII e XIX, aqui assinalado, objecto de escândalo, como seria natural, para os poderes indígenas, enraizava não apenas no direito consuetudinário da apresentação de bispos pela Coroa Lusitana, como na reivindicação de cristãos luso-descendentes de serem identificados como portugueses, também por causa da provisão de ofícios. Problemas afloram nesta documentação a merecer rastreio sistemático, referentes à inculturação e aculturação religiosa, com a missionação jesuítica em destaque; à penetração dinâmica da pujante instituição das Missões Estrangeiras de Paris; aos vestígios da língua portuguesa nas orações, confissões auriculares e catequese em territórios onde já havia desaparecido a soberania política; ao papel desempenhado pela Nunciatura sediada no Rio de Janeiro durante a estada da Corte e cativeiro de Pio VII por Napoleão Bonaparte, a rarefacção das marcas culturais da presença lusa em irremediável declínio e à hostilidade dos missionários estrangeiros ao episcopado do Padroado, apesar da procura de um modus vivendi com os agentes credenciados da Sé Apostólica romana. As reformas introduzidas, no direito concordatório, quando julgadas pertinentes e inadiáveis, no decurso da segunda metade de oitocentos não travaram, como o Ultimatum de triste memória pôs a nu, a decadência do Padroado. A expulsão pombalina dos jesuítas e o banimento das ordens religiosas em 1834 já o haviam, aliás, mortiferamente minado e a República acabou por consumar, não obstante o veemente e dramático alerta de António Barroso que, como poucos, conhecia a realidade. E quantos nomes dessa plêiade de missionários de apostólico zelo, espalhados no que continuava a ser o Além-Mar português, não aparecem mencionados neste repositório documental e incalculável valor histórico?
Mais: esta mole informativa, pela sua variedade e abundância, potencializa ainda respostas a um leque de outras questões que, postas por historiadores criativos, podem ser continuamente trazidas à comunidade científica. Os anais da gesta missionária portuguesa só se enriquecem, acentuemo-lo, com o escavar sem desfalecimento, apesar dos horizontes de laicismo e indiferentismo, de memoriais adormecidos em vários e nutridos tesouros como este que os investigadores desta preciosíssima empresa em boa hora oferecem ao público estudioso interessado em tão importante temática». In Prefácio de João Francisco Marques, Faculdade de Letras da Universidade do Porto

In José Eduardo Franco (Coordenação Geral) Arquivo Secreto do Vaticano,Archivio della Nunziatura in Lisbona, Centro de Estudos Damião de Góis, Projecto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2010, POCI 2010, Esfera do Caos Editores, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-680-032-1.

Cortesia de EsferadoCaos/JDACT