sexta-feira, 29 de julho de 2016

A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI. Pedro Chambel. «Ora, depois de Briseide abandonar a cidade e ser recebida por alguns dos mais notáveis chefes e cavaleiros gregos, Diomedes manifesta-lhe…»

Cortesia de wikipedia e jdact

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A Narrativa de Troilo, Diomedes e Briseide. O maravilhoso
Chegada a manhã da partida da donzela, o maravilhoso é introduzido na narrativa na descrição do manto de Briseide. Depois de ser referido como tendo sido feito por mágicos da Índia e oferecido a Calcas por um mestre da mesma terra, é-nos descrito como mudando de cor sete vezes por dia e como nele se podiam observar as figuras de todos os animais e bestas que habitavam o mundo. O narrador afirma, então, que era constituído por uma peça inteira, não costurada, e oriundo da pele de uma fabulosa besta do Oriente. São, depois, referidas as suas características, a terra de origem, as gentes que a habitavam e como a besta era caçada, aproximando-se o processo descritivo do presente nos bestiários e enciclopédias da época. Finalmente, depois de ser mencionado o magnífico odor da pele do animal, é acrescentado o facto da ourela do manto provir de uma besta que habitava o Paraíso terreno, assinalando-se para esta propriedades fabulosas. O narrador introduz, assim, de novo, o maravilhoso na narrativa, encontrando-se este relacionado com o longínquo Oriente, que, situado nas franjas da Cristandade ocidental e do mundo por ela conhecido, tornava possível a existência de tais prodígios. Por fim, é referido o Paraíso terreno, também ele localizado no Oriente, e propiciador da existência do fantástico. Regista-se, igualmente, a referência aos mestres e encantadores da Índia, tendo um deles ensinado o adivinho Calcas.
Ora, tais motivos encontram-se novamente referenciados quando se descreve a tenda de Calcas, para a qual Briseide se dirige já no campo dos gregos. Assim, o narrador afirma que tinha pertencido ao faraó que morrera no Mar Vermelho ao perseguir os judeus, remetendo, assim, a narrativa para o imaginário judaico-cristão. Na tenda encontravam-se figuradas todas as coisas estranhas e maravilhosas do mundo, surgindo explicados os fenómenos da natureza. Depois de referenciar o seu elevado custo, o narrador afirma ser impossível, mesmo para o mais sabedor dos homens, descrever, quer em latim, quer em língua vernácula, as maravilhas e virtudes que a caracterizavam. Nesse sentido, conclui que não se deterá no relato de tais prodígios, sugestionando, assim, a imaginação do auditório. Por fim, faremos referência a uma passagem onde se encontra presente o anacronismo da representação religiosa da Antiguidade. Assim, quando Briseide repreende o pai por ter abandonado os troianos, refere-o como tendo sido deles bispo, senhor e mestre. Se o narrador, pelas palavras atribuídas à donzela, afirma que Calcas tinha tal estatuto segundo os costumes que os troianos professavam, não deixa de utilizar um termo próprio da sua época e religião para designar o estatuto que o pai usufruíra em Tróia.

O Amor Cortês
Ora, depois de Briseide abandonar a cidade e ser recebida por alguns dos mais notáveis chefes e cavaleiros gregos, Diomedes manifesta-lhe o seu amor, iniciando, assim, o narrador o relato das peripécias amorosas por que vão passar o cavaleiro, a donzela e Troilo. Estas ir-se-ão desenrolar em dois planos complementares. Assim, narra-se, por um lado, a relação que se irá estabelecer entre Diomedes e Briseide e o desenrolar do processo que origina a mudança de amante da donzela, e, por outro, os combates entre os dois cavaleiros. Iremos analisar os diversos episódios, inicialmente, segundo os tópicos que introduzem o amor cortês na narrativa. Neste sentido, começaremos por referir a proeminência da dama, neste caso Briseide, perante o amigo. Desde logo, as expressões utilizadas por Diomedes são esclarecedoras. Assim, depois de a ver, declara não só o seu amor, como o propósito de a servir como amigo, cavaleiro e vassalo. Perante a inicial rejeição de Briseide, o herói grego reitera que o seu coração já lhe pertence e nela põe a esperança de o tomar por amigo. Por fim, diz-lhe para dele ter dó pois não pode contradizer o amor que sente. Entretanto, apodera-se de uma luva da donzela, relatando o narrador o contentamento motivado pela sua posse. Mais tarde, depois de tomar o cavalo de Troilo e de o enviar a Briseida por um seu donzel, Diomedes, expressa-lhe, novamente, como já é seu cavaleiro e vassalo. Por fim, iremos referir o episódio no qual Briseide oferece a Diomedes o cavalo que este lhe tinha dado. As palavras dirigidas por Diomedes repetem os temas atrás referidos, mas este acentua que apenas aceitará a montada, se tal for o desejo da donzela.
Salienta-se, assim, como o cavaleiro ao expressar o seu amor por Briseide, declara o propósito de a servir, não só como amigo e amante, mas também como cavaleiro e vassalo, colocando-se numa posição de submissão e humildade perante esta. As expressões utilizadas por Diomedes denotam a introdução da denominada feudalização do amor, tornando-se patente a transposição para o plano do relacionamento amoroso das fórmulas características da lealdade vassálica. Por fim, à declaração de amor pela donzela, junta-se a proeza guerreira de conquista do cavalo do seu oponente. Outra característica do amor cortês presente na narrativa manifesta-se na personificação alegórica do amor, que surge na Crónica como uma força instintiva a que o indefeso amante se sujeita. Assim, já nos referimos a como Diomedes declara não se lhe poder opôr, antes o pretendendo servir. O narrador, afirmando que se reporta ao relato efectuado por Dares, descreve os efeitos do amor no cavaleiro, acentuando as mudanças de estado de espírito que lhe provoca, enquanto assinala as consequências físicas do sofrimento. Perante Briseide, Diomedes não sabe como se comportar, com medo de a irritar, ao mesmo tempo que se coíbe de dizer o que sente, até porque, perante ela, se esquece de tudo, concluindo o narrador que tais são os jogos que o amor induz a quem aprisiona. Este, provocaria, assim, um sofrimento mortal, sendo responsável pela transformação operada no cavaleiro, ou seja, o ardido e valente Diomedes, comporta-se, perante a donzela, como cobarde». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/JDACT