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«Por
Deus!, vociferou Isabel. Não podereis dar-me um dia de descanso desta enfadonha
questão? Já me haveis causado uma dor de cabeça. Os conselheiros da rainha mal
podiam acompanhar o passo daquela mulher extraordinariamente alta e esguia que
se deslocava com grandes passadas pelo extenso relvado de Whitehall, em
direcção à sua montada. William Cecil, seu principal conselheiro, homem sério e
firme já de meia-idade, encontrava-se dividido entre o desespero e a admiração que sentia pela sua jovem rainha, vestida com
um fato de montar de veludo cor púrpura, com o cabelo loiro-avermelhado
a esvoaçar ao vento. Aos vinte cinco anos, Isabel Tudor era mais do que
decidida e teimosa. A sua ousadia não conhecia limites e possuía um espírito
arguto e uma sinceridade arrojada, pouco próprios de um monarca inglês. Porém,
via-se forçado a admitir que era senhora de uma inteligência extraordinária.
Falava seis línguas com a mesma fluência que a sua e possuía o magnetismo que o
pai, Henrique VIII, irradiara durante toda a sua vida longa e atribulada. Se ao
menos, pensava Cecil, não sentisse um prazer tão perverso em ofender os grandes
senhores, que nomeara seus conselheiros. Cecil atreveu-se a enfrentar a raiva
da rainha. Suplico a Vossa Majestade que preste mais atenção ao arquiduque
Carlos. Para além de ser o melhor partido da cristandade, diz-se que é um homem
belo e bem constituído. E o que é mais importante, acrescentou Isabel com um ar
decididamente lascivo, tem belas coxas e belas pernas. Disseram-me que os seus
ombros curvados não se notam
quando monta a cavalo, acrescentou lorde Clinton na esperança de ganhar algum
terreno. Porém, Isabel deteve-se bruscamente e voltou-se para eles de tal modo
que os conselheiros chocaram um com o outro, como actores num palco a
representar uma comédia. E a mim disseram-me que é um monstro com uma cabeça
enorme! Cristo seja louvado, que terríveis escolhas me ofereceis para marido.
Não me tentam a mudar de estado matrimonial. O príncipe Eric é um... Um sueco
tolo, concluiu Isabel. Mas é muito rico, Majestade, e extremamente generoso. E
essa ridícula delegação que apareceu aqui na corte com vestes carmesins e
corações de veludo bordados e atravessados por uma flecha...? Isabel revirou os
olhos. Pedis-me que considere o rei de França que nos roubou Calais, o único
porto que nos restava no continente..., e Filipe, esse espanhol moreno, viúvo
de minha irmã e um católico tão
devoto e firme? Vamos, meus senhores, decerto poderíeis sugerir melhor. Preferis
então pretendentes ingleses? Pretendentes ingleses? Os olhos de Isabel
pareceram mais doces e um leve sorriso esboçou-se aos cantos da sua boca
escarlate. Voltou-se e a passo mais lento retomou o caminho que a levava ao seu
alazão castanho, ajaezado com um caparazão debruado a ouro e para o jovem bem
constituído e de porte confiante e atlético que a aguardava junto ao animal com
as rédeas na mão. Cecil olhou para Robert Dudley, o mestre-cavaleiro da rainha
com silencioso enfado. Fora decerto Dudley que fizera surgir o sorriso nos
lábios da soberana e a cadência quase langorosa no seu andar, enquanto
percorria o caminho que a levava à montada. Prefiro realmente os meus
pretendentes ingleses, afirmou numa voz aveludada.
Cecil
ouviu os conselheiros resmungarem discretamente e em surdina, ao verem Robert
Dudley. A corte impúdica que esse nobre arrogante fazia à rainha e a aceitação
ainda mais escandalosa da parte dela, criavam um clima de imoralidade que punha
em perigo as possibilidades de Isabel casar honradamente ali ou no estrangeiro.
Dudley, que muitos diziam ser amante da rainha, era um homem casado. Cecil
afastou do pensamento a ideia de que o comportamento duvidoso de Isabel era o
seu modo de garantir que nunca teria de casar, mantendo antes uma série de
amantes durante todo o seu reinado; pior, a rainha poderia mostrar certas
parecenças com a mãe. O sangue dos Bolena estava manchado de perversidade.
Assim, todos, desde os conselheiros reais de Isabel que lhe ofereciam inúmeros
pretendentes, até a senhora Kat Ashley, sua aia desde a infância, que implorava
todos os dias a Isabel que fosse razoável, exigiam que, por sua honra e para
bem do reino, casasse e entregasse as rédeas do governo a um esposo fiel. Isabel
aproximou-se de Dudley que, erguendo-se depois de uma profunda reverência, se
manteve de pé com galhardia, feições fortes e olhar límpido, obrigando o
próprio Cecil a admitir que o mestre-cavaleiro era uma bela figura de nobre
virilidade. Dudley olhou fixamente a rainha. Sem pensar na expressão
reprovadora dos seus conselheiros, Isabel estendeu os longos dedos pálidos e afagou-lhe
lentamente a face e o queixo, terminando com uma breve carícia no pescoço.
Como
está o meu belo alazão?, perguntou reprimindo um sorriso. Talvez fossem as
escandalizadas exclamações e forte respiração que escutou nas suas costas que a fizeram dar uma sonora palmada no flanco enorme do cavalo castanho,
poupando aos estupefactos conselheiros a distante mas grata possibilidade de
que a observação da rainha não fosse a vulgaridade que suspeitavam ter ouvido. Voltou-se
para Cecil e lançou aos seus conselheiros um sorriso caloroso e travesso. Meus
senhores Clinton Arundel e North, aprecio de sobremaneira os vossos amáveis
conselhos e estimo-os de todo o coração, permitiu que Robert Dudley a erguesse
sobre o cavalo e sentou-se olhando-os majestosa. A minha escolha de marido rei
não será feita de ânimo leve e requer de mim muita reflexão. Assim, peço que
perdoem a hesitação de uma pobre e fraca mulher em se comprometer. Mas
prometo-vos que, quando tomar a decisão, sereis os primeiros a saber. Bom-dia,
meus senhores. Partiu, tocando rapidamente com o calcanhar o flanco do cavalo. Dudley
inclinou a cabeça aos conselheiros com ar trocista, saltou para o seu próprio
cavalo e partiu à desfilada atrás da rainha que seguia já num rápido galope. Cecil
e os outros conselheiros voltaram-se contrariados e, sem quererem encarar-se,
empreenderam, a passo lento, o caminho do palácio real». In Robin Maxwell, O Diário
Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor 1, 2002, ISBN
978-972-731-131-6.
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