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Somerset
rural. Inglaterra 1813
«(…)
Abrandou o passo ao chegar à porta da sala de recepção, inspirou profundamente
algumas vezes e essa demora deu-lhe a possibilidade de avaliar lady Eleanor.
Era uma beleza régia, com uma figura agradavelmente roliça, grandes olhos azuis
e um cabelo loiro fabuloso apanhado num intrincado coque. Tinha uma pele suave
de um branco-pérola, do género que só as senhoras muito ricas se podiam dar o
luxo de manter à custa de cremes caros. O vestido cor de safira era de um
tecido caro que plissava e brilhava quando se movia. Por comparação, Anne
parecia deselegante e sem graça, no seu vestido cinzento funcional, por cima do
qual usava o avental engomado. Tinha a saia salpicada de água, a que se
juntavam manchas na bainha. Apesar de usar o cabelo castanho apanhado numa trança,
o calor e a transpiração de horas de trabalho tinham provocado a queda de
várias madeixas.
Trabalho
árduo, uma dieta saudável e a estatura pequena haviam-se combinado para lhe
estreitar o torso. Ao lado da impressionante e roliça senhora da nobreza,
sentia-se magra, esquálida e mal alimentada. O seu corpo apresentava-se
deselegantemente bronzeado por demasiado trabalho ao sol e as suas mãos ásperas
e gretadas pelo excesso de tarefas. O negócio prosperava e havia dinheiro
disponível para loções frívolas e outros mimos, mas nunca tinha um momento de
ócio em que pudesse cuidar de si. Estava constantemente ocupada e olhar para lady
Eleanor fazia com que se sentisse cansada e decrépita. Lady Eleanor
aproximara-se da janela e olhava para o exterior numa tentativa de determinar o
que tinha desviado a atenção de Anne. Felizmente, o escandaloso par já não se
encontrava em lugar visível. Anne não conseguia imaginar que mentiras teria de
inventar se lady Eleanor tivesse visto as duas. Se ao menos lady Eleanor a
tivesse avisado antecipadamente da sua visita, Anne poderia ter feito preparativos;
poderia ter fechado os portões e recusado a admissão do bando de desenfreadas
banhistas.
Mas
não havia mais nada a fazer, a não ser dar por terminada a conversa e fazer com
que a teimosa mulher se fosse embora. Lady Eleanor deu meia volta quando Anne
entrou no salão, embaraçada por ter sido apanhada a espiar, mas disfarçou bem o
seu lapso. Anne indicou as cadeiras com a mão e as duas sentaram-se de novo. Muito
bem, começou Anne, onde íamos nós? Estávamos a falar do meu irmão, Stephen. Ah,
sim. O famoso capitão Stephen Chamberlin. Devasso. Libertino. Herói de guerra.
Por que motivo um patife tão ilustre enviava a irmã ao campo para fazer
solicitações em seu nome? Não teria maneiras? Ou vergonha? Foi ferido em
Espanha. A sério?, perguntou Anne em tom suave. Os ricos e poderosos não
detinham qualquer monopólio das misérias da guerra. O seu próprio irmão,
Phillip, quase fora morto em Salamanca. Recusava-se a mostrar qualquer simpatia
pela família Chamberlin. Já referi que o nosso pai é Robert Chamberlin, o conde
de Bristol? Quatro vezes!
Já,
sim. Mas Anne não se mostrara perturbada por tão impressionante notícia. Não
dava dois dinheiros por qualquer senhor da terra e, se lady Eleanor esperava
surpreendê-la ou chocá-la com a alusão ao título, estava a pregar no deserto.
Anne não podia importar-se menos. Se o que a preocupa é a minha capacidade de a
remunerar pelo tratamento do meu irmão, posso assegurar que será muito bem
recompensada. Não é uma questão de dinheiro. Então, o que é? Anne tinha tantos
motivos para recusar que nem conseguia enumerar todos. Em primeiro lugar, não
podia ter um homem na sua propriedade. O que diriam as suas clientes? E o que pensariam
os vizinhos de algo tão impróprio? A grande metrópole mais próxima era Bath,
que atraía muita gente em busca de convalescença. As personagens mais abastadas
e influentes de Inglaterra faziam frequentes peregrinações à cidade, mas muitas
privacidades femininas preferiam a privacidade da propriedade de Anne. Os
antigos banhos romanos, que ela e Kate tinham renovado, constituíam uma dádiva,
uma bênção de valor inestimável, e não estava disposta a estragar tudo
acolhendo o capitão Chamberlin. Por mais ferido que ele pudesse estar, não
podia arriscar o seu ganha-pão. As minhas hóspedes são todas mulheres,
esclareceu. Não seria adequado». In Cheryl Holt, Mais do que Sedução, 2004,
tradução de Paulo Moreira, Quinta Essência, 2015, ISBN 978-989-1-319-3.
Cortesia
de QEssência/JDACT