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O Manuscrito Galego da Crónica Troiana
«A
tradução galega da versão do Roman de Troie de Afonso XI foi concluída
em 20 de Janeiro de 1373, conforme consta do manuscrito dez mil duzentos e
trinta três da Biblioteca Nacional de Madrid, tendo sido mandada efectuar pelo
conde galego Fernam Pérez de Andrade, o Bom. Segundo Ramón Lorenzo, a versão
prosificada castelhana de Afonso XI não foi efectuada directamente a partir do
poema de Benoit de Saint-Maur, uma vez que para este investigador ter-se-ia
realizado, inicialmente, uma tradução deste em Portugal ou na Galiza. Assim, esta última, hoje desaparecida, encontra-se na origem
da versão castelhana posteriormente efectuada, que, por sua vez foi depois
traduzida para galaico-português, constituindo a obra que será objecto do nosso
estudo. Do manuscrito que chegou até nós falta o primeiro caderno de oito
fólios.
O
manuscrito galego encontra-se amputado da parte inicial, começando a narrativa
com o relato da preparação da primeira destruição de Tróia, promovida por
Hércules, assim como de todo um capítulo, o que nomeia as treze províncias do
Oriente. No que respeita à comparação da versão castelhana de Afonso XI com o Roman
de Troie, Ramón Lorenzo considera que aquela segue com fidelidade o texto
francês, embora não se trate de uma tradução servil, uma vez que não só adapta
o verso às características da prosa e às vezes traduz livremente, como ainda
constata a existência de diversas interpolações, por vezes, amplas, mudanças de
lugar na colocação do conteúdo, assim como das citações das fontes latinas, e,
o mais importante, numerosos erros de interpretação.
Desconhecendo-se a versão francesa que lhe serviu de fonte, assim como a
intermédia tradução galega ou portuguesa, não nos é possível saber se tais
incorrecções se encontravam já nas versões anteriores ou se foram da
responsabilidade do tradutor castelhano. No entanto, Ramón Lorenzo descarta
a hipótese de uma versão francesa prosificada se encontrar na origem da inicial
versão galega ou portuguesa. No que respeita à obra que se encontra na origem
do manuscrito que iremos analisar, o Roman de Troie, ele foi escrito no
século XII por um clérigo, Benoit de Saint-Maur, que se supõe ter frequentado a
corte anglonormanda de Henrique Plantagenêt e de sua mulher, Leonor de
Aquitânia, e ter sido o autor ao qual o monarca mandou compor a Chronique
dês ducs de Normandie.
Contextualização da Versão Galega da Crónica Troiana. A Matéria Antiga
O Roman
de Troie insere-se na denominada Matéria Antiga, sendo esta constituída por
um conjunto de obras em verso, posteriormente prosificadas, elaboradas no
século XII em língua vernácula, e relacionadas pelas temáticas abordadas. Na
verdade, todas elas reportam-se a temas da Antiguidade Clássica, assumindo-se,
no seu conjunto, como uma das manifestações mais arcaicas do roman em
França. Se os autores dos romances que compõem a Matéria Antiga trataram temas
da Antiguidade, tomando como modelo os autores clássicos, que não deixam de
citar nas suas obras como testemunho da autenticidade histórica que pretendiam
transmitir das suas produções, eles não os seguiram com servilismo, mas
recriaram, a partir das fontes, um mundo antigo imaginário, nomeadamente, ao
introduzir elementos próprios da sua época.
Ora,
os textos do Ciclo Antigo encontram-se na origem da transição, então operada,
da canção de gesta para o roman, reflectindo uma mutação a nível de
auditório entre os dois géneros, relacionada com a evolução, então verificada,
na sociedade medieval. Neste sentido, o roman de temática clássica,
sendo dirigido para um público formado por nobres, cavaleiros, damas e
clérigos, reflecte o gosto e os ideais próprios do auditório cortês a que era
dirigido, acabando por transmitir uma imagem social que segue os modelos ideais
do feudalismo. É certo, porém, que teremos de esperar pelos romances de
temática arturiana para que tal desígnio se concretize na sua plenitude, uma
vez que os do Ciclo Antigo ainda apresentam características próprias da épica. Neste
sentido, nas obras que a este pertencem, adquirem particular relevância a
descrição pormenorizada dos combates, das armas e armaduras dos combatentes,
das embaixadas, dos conselhos de guerra e os elogios fúnebres dos heróis, entre
outros elementos que reflectem a presença de tópicos que remetem para os
relatos épicos. No entanto, a lírica dos trovadores da França meridional, que
difundia a nova concepção do amor cortês, acabou por influenciar os romances
entretanto produzidos, contribuindo de forma decisiva para o seu
desenvolvimento e caracterização. Na verdade, conjuntamente com as narrativas
das vicissitudes guerreiras, surgem as do amor cortês, ganhando particular
relevo as personagens femininas, assim como os ingredientes característicos do fin’amour:
amor, esquecimento, tormentos, traições, remorsos, diálogos amorosos e
monólogos dos amantes. Neste aspecto, evidencia-se não só a influência de
Virgílio, mas, de forma particular, a de Ovídeo. Como afirma Calos Garcia Gual,
o amor passa a ser considerado como um deus, como uma personificação alegórica
com antecedentes nos poetas latinos clássicos, ou ainda, como uma força
instintiva da natureza, ao mesmo tempo que prevalece uma visão trágica do
destino dos amantes e se associa às representações femininas uma visão
fatalista». In Pedro Chambel, A
representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana
de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN
1646-740X.
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