domingo, 31 de julho de 2016

Prior do Crato no 31. Portugal é uma Ilha. Alexandre Borges. «Empoleirada num pequeno muro de pedra, confundida com uma rainha no alto da muralha do seu castelo, Brianda Pereira balançou e gritou até ao fim do combate: “estamos por Dom António!”»

jdact

«(…) António não desistiria da luta e Filipe sabia disso. O novíssimo rei de Portugal chega a anunciar publicamente uma recompensa de 80 000 ducados de ouro a quem capturasse aquele agitador solitário, mas tinha ainda de se haver com outro rival: o já citado fantasma do rei que desaparecera, três anos antes, em Alcácer Quibir. Com o povo a suspirar por Sebastião, Filipe faria trasladar, de África para o Mosteiro dos Jerónimos aquele que era, alegadamente, o corpo de o Desejado, mas o esforço e o dinheiro despendidos de nada serviram e nada calaram. Nada garantia que aquele cadáver que até hoje jaz num faustoso túmulo de mármore não muito longe dos de Camões ou Vasco da Gama fosse, com efeito, o de Sebastião ou de outro infeliz qualquer, que nunca tivesse sido rei ou sequer português. Nenhum teste foi feito na época ou desde então. Nasciam o mito e o mistério do sebastianismo. Desprezá-los é não entender Portugal. Naqueles mesmos dias, aconteceria, aliás, um fenómeno curioso: o aparecimento de umas quantas figuras que reclamavam ser, nem mais nem menos, o próprio Sebastião. Alguns, consoante os dotes dramáticos, ainda conseguiram pôr umas multidões a acreditar neles. Quase todos acabaram presos. Um foi enforcado.
A guerra não terminara. Ainda não. Logo em 1581, António I, que tinha procurado apoio em França e Inglaterra, ia descobri-lo, afinal nos Açores. Ciprião Figueiredo Vasconcelos, corregedor na ilha Terceira, era um daqueles homens para quem Filipe não passava dum usurpador. Para Ciprião, o rei de Portugal, no exílio ou não, continuava a ser aquele que o povo aclamara em Santarém. No início do ano, a ilha de São Miguel tinha tomado partido, conforme declaração da Câmara Municipal de Ponta Delgada, pela causa de Filipe de Espanha. Em consequência disso, fora nomeado para governador-geral dos Açores Ambrósio Aguiar Coutinho, ao qual se seguiria Martim Afonso Melo e cuja principal tarefa seria demover Ciprião Figueiredo. Revelar-se-iam vãos, contudo, os esforços do governador: rapidamente Ciprião o obrigou a regressar a São
Miguel, fazendo-lhe notar que toda a ilha Terceira, e é provável que tenha sublinhado toda, estava por António I.
A 25 de Julho, entrando pela baía da Salga às primeiras horas da manhã, uma força de 1000 espanhóis comandada por Pêro Valdez viria determinada a fazer Ciprião e os seus terceirenses engolirem a ousadia, mas uma furiosa bateria de gado bovino mostrar-se-ia insensível perante os seus argumentos. Empoleirada num pequeno muro de pedra, confundida com uma rainha no alto da muralha do seu castelo, Brianda Pereira balançou e gritou até ao fim do combate: estamos por Dom António! Aqueles que o gado poupou não tiveram a mesma misericórdia da parte do exército de populares. O mar levou outros que se afogaram pesadamente, dentro das armaduras, na tentativa de fuga. Alguns, poucos, conseguiram alcançar os galeões e viver para regressar a Espanha e contar a história. Quando o silêncio se abateu sobre a Salga, a espuma do mar deixava um rasto encarnado nas rochas... Custava olhar aquele retrato sanguíneo do fim da batalha, mas a vitória fora completa. Sepultados os corpos caídos do vale à baía, o governador Ciprião marchou até Angra do Heroísmo, arrastando as bandeiras dos rivais. A cidade celebrou-o como a um herói antigo. Pêro Valdez faria chegar a Filipe o relato pormenorizado dos acontecimentos e a vingança viria mais cedo ou mais tarde, mas, por agora, era tempo de festejar orgulhosamente o crime de rebelião». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia de CdasLetras/JDACT