Cortesia
de wikipedia e jdact
De
deusas à escória da humanidade
«A prostituição já foi uma ocupação respeitada e
associada a poderes sagrados. Mas, com o surgimento da sociedade patriarcal, a
independência sexual e económica das mulheres restringiu-se e as meretrizes
passaram a ser mal-vistas. Que a prostituição é popularmente conhecida como a
profissão mais antiga do mundo, todos sabem. E, desde que o mundo é dito
civilizado, sempre houve prostitutas pobres e prostitutas de elite. O lado
desconhecido dessa história é que a imagem a respeito delas nem sempre foi a
que temos actualmente. As meretrizes já foram admiradas pela inteligência e
cultura, e também já foram associadas a deusas, manter relações sexuais com
elas era necessário para conseguir poder e respeito. As mulheres da vida sempre
tiveram um lugar na História, mas, ao longo dos anos, seu status passou de respeitável à condenável. Maria Regina Cândido,
professora de História, explica que a conotação de ser ou não bem-vista pela
sociedade é um olhar de nosso tempo sobre as prostitutas. Na antiguidade, elas
tinham seu lugar social bem definido. Era uma sociedade que determinava a
posição de cada um, que precisava cumprir bem o seu papel em seu espaço e não
migrar de função, diz Maria Regina.
Lá atrás, no período da pré-história, a mulher era
associada à Grande Deusa, criadora da força da vida, e estava no centro das actividades
sociais, explica Nickie Roberts, no livro As Prostitutas na História.
Com tal poder, ela controlava sua sexualidade. Nessas sociedades
pré-históricas, cultura, religião e sexualidade estavam interligadas, tendo
como fonte a Grande Deusa, conhecida inicialmente como Inanna e mais
tarde como Ishtar. Os homens, ignorantes de seu papel na procriação, não
eram obsessivos pela paternidade. Foi essa preocupação com a prole que, mais
tarde, levou ao surgimento das sociedades patriarcais, com a submissão da
mulher. Por volta de 3.000 a.C., tribos nómadas passaram a criar gado e
tornaram-se conscientes do papel masculino na reprodução. As sociedades
matriarcais da deusa começaram a ser subjugadas. As primeiras civilizações da
era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia e no Egipto, e nasceram desse
levante. Novas formas de casamento foram introduzidas, especificamente
destinadas a controlar a sexualidade das mulheres, afirma a escritora. Foi
nesse momento da história humana, em torno do segundo milénio a.C., que a
instituição da prostituição sagrada tornou-se visível e foi registada pela
primeira vez na escrita, explica Nickie,
As
primeiras prostitutas da história. Demóstenes
As grandes cidades da Mesopotâmia e do Egipto
continuaram centralizadas nos templos da Grande Deusa. As sacerdotisas dos
templos, que participavam de rituais sexuais religiosos, ao mesmo tempo
mulheres sagradas e meretrizes, foram as primeiras prostitutas da História,
conta Nickie Roberts. O status dessas mulheres era elevado. Os reis precisavam
buscar a benção da deusa, por meio do sexo ritual com as sacerdotisas, para
legitimar seu poder. Nessa época, as prostitutas do mais alto escalão do templo
eram, por direito nato, agentes poderosas e prestigiadas; não eram as meras
vítimas oprimidas dos homens, tão protegidas pelas feministas modernas, escreve
Nickie Roberts. As cortesãs, nós as temos para o prazer. As concubinas, para os
cuidados de todos os dias. As esposas, para ter uma descendência legítima e uma
fiel guardiã do lar.
Na Grécia antiga, as mulheres viviam em um
confinamento físico e mental. Mas aquelas que se tornavam meretrizes desfrutavam
de liberdade sexual e económica. O diálogo a seguir, entre a viúva ateniense
Crobil e sua filha, a virgem Corina, narrado pelo escritor clássico Luciano de
Samósata (125 d.C. - 181 d.C.), mostra que a prostituição era vista como uma
maneira de conquistar a independência: Tudo o que você tem de fazer é sair com
os rapazes, beber com eles e dormir com eles por dinheiro; Do jeito que faz
Lira, filha de Dafne? Exactamente! Mas ela é uma prostituta! Bem, e isso é uma
coisa assim tão terrível? Significa que você será rica como ela é, e terá
muitos amantes. Por que está chorando, Corina? Não vê quantos homens vão atrás
das prostitutas, e mesmo assim há tantas delas? E como elas ficam ricas! Olhe,
eu posso me lembrar de quando Dafne estava na penúria. Agora, olhe a sua
classe! Ela tem montes de ouro, roupas maravilhosas e quatro criados.
Foi nesse período, quando os homens começaram a tomar
o poder, que também surgiu a hierarquia entre as mulheres do templo, com um
escalão de prostitutas de classe alta, que mantiveram seus antigos poderes e
privilégios. As harimtu, que trabalhavam fora dos templos, foram as
primeiras prostitutas de rua. Ainda assim, a conexão entre sexo e religião
persistia, pois as meretrizes da rua continuavam a ser vistas como sagradas,
protegidas de Ishtar. A divisão das mulheres em prostitutas e esposas vem desse
início da história patriarcal. Foi na antiga Suméria, por volta de 2.000 a.C.,
que surgiram as primeiras leis segregando as duas. Nessa época, já começava a
ampliar a lacuna entre as boas, dóceis e obedientes, esposas e as más,
sexualmente autónomas, prostitutas». In Patrícia Pereira, As prostitutas na
História, Jacques Rossiaud, A Prostituição na
Idade Média, 1991, Margareth Rago, Os Prazeres da Noite, 2008, Revista Leituras
da História, wikipédia, 2009.
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