domingo, 24 de julho de 2016

As prostitutas na História. Patrícia Pereira. «Na Grécia antiga, as mulheres viviam em um confinamento físico e mental. Mas aquelas que se tornavam meretrizes desfrutavam de liberdade sexual e económica»

Cortesia de wikipedia e jdact

De deusas à escória da humanidade
«A prostituição já foi uma ocupação respeitada e associada a poderes sagrados. Mas, com o surgimento da sociedade patriarcal, a independência sexual e económica das mulheres restringiu-se e as meretrizes passaram a ser mal-vistas. Que a prostituição é popularmente conhecida como a profissão mais antiga do mundo, todos sabem. E, desde que o mundo é dito civilizado, sempre houve prostitutas pobres e prostitutas de elite. O lado desconhecido dessa história é que a imagem a respeito delas nem sempre foi a que temos actualmente. As meretrizes já foram admiradas pela inteligência e cultura, e também já foram associadas a deusas, manter relações sexuais com elas era necessário para conseguir poder e respeito. As mulheres da vida sempre tiveram um lugar na História, mas, ao longo dos anos, seu status passou de respeitável à condenável. Maria Regina Cândido, professora de História, explica que a conotação de ser ou não bem-vista pela sociedade é um olhar de nosso tempo sobre as prostitutas. Na antiguidade, elas tinham seu lugar social bem definido. Era uma sociedade que determinava a posição de cada um, que precisava cumprir bem o seu papel em seu espaço e não migrar de função, diz Maria Regina.
Lá atrás, no período da pré-história, a mulher era associada à Grande Deusa, criadora da força da vida, e estava no centro das actividades sociais, explica Nickie Roberts, no livro As Prostitutas na História. Com tal poder, ela controlava sua sexualidade. Nessas sociedades pré-históricas, cultura, religião e sexualidade estavam interligadas, tendo como fonte a Grande Deusa, conhecida inicialmente como Inanna e mais tarde como Ishtar. Os homens, ignorantes de seu papel na procriação, não eram obsessivos pela paternidade. Foi essa preocupação com a prole que, mais tarde, levou ao surgimento das sociedades patriarcais, com a submissão da mulher. Por volta de 3.000 a.C., tribos nómadas passaram a criar gado e tornaram-se conscientes do papel masculino na reprodução. As sociedades matriarcais da deusa começaram a ser subjugadas. As primeiras civilizações da era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia e no Egipto, e nasceram desse levante. Novas formas de casamento foram introduzidas, especificamente destinadas a controlar a sexualidade das mulheres, afirma a escritora. Foi nesse momento da história humana, em torno do segundo milénio a.C., que a instituição da prostituição sagrada tornou-se visível e foi registada pela primeira vez na escrita, explica Nickie,

As primeiras prostitutas da história. Demóstenes
As grandes cidades da Mesopotâmia e do Egipto continuaram centralizadas nos templos da Grande Deusa. As sacerdotisas dos templos, que participavam de rituais sexuais religiosos, ao mesmo tempo mulheres sagradas e meretrizes, foram as primeiras prostitutas da História, conta Nickie Roberts. O status dessas mulheres era elevado. Os reis precisavam buscar a benção da deusa, por meio do sexo ritual com as sacerdotisas, para legitimar seu poder. Nessa época, as prostitutas do mais alto escalão do templo eram, por direito nato, agentes poderosas e prestigiadas; não eram as meras vítimas oprimidas dos homens, tão protegidas pelas feministas modernas, escreve Nickie Roberts. As cortesãs, nós as temos para o prazer. As concubinas, para os cuidados de todos os dias. As esposas, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar.
Na Grécia antiga, as mulheres viviam em um confinamento físico e mental. Mas aquelas que se tornavam meretrizes desfrutavam de liberdade sexual e económica. O diálogo a seguir, entre a viúva ateniense Crobil e sua filha, a virgem Corina, narrado pelo escritor clássico Luciano de Samósata (125 d.C. - 181 d.C.), mostra que a prostituição era vista como uma maneira de conquistar a independência: Tudo o que você tem de fazer é sair com os rapazes, beber com eles e dormir com eles por dinheiro; Do jeito que faz Lira, filha de Dafne? Exactamente! Mas ela é uma prostituta! Bem, e isso é uma coisa assim tão terrível? Significa que você será rica como ela é, e terá muitos amantes. Por que está chorando, Corina? Não vê quantos homens vão atrás das prostitutas, e mesmo assim há tantas delas? E como elas ficam ricas! Olhe, eu posso me lembrar de quando Dafne estava na penúria. Agora, olhe a sua classe! Ela tem montes de ouro, roupas maravilhosas e quatro criados.
Foi nesse período, quando os homens começaram a tomar o poder, que também surgiu a hierarquia entre as mulheres do templo, com um escalão de prostitutas de classe alta, que mantiveram seus antigos poderes e privilégios. As harimtu, que trabalhavam fora dos templos, foram as primeiras prostitutas de rua. Ainda assim, a conexão entre sexo e religião persistia, pois as meretrizes da rua continuavam a ser vistas como sagradas, protegidas de Ishtar. A divisão das mulheres em prostitutas e esposas vem desse início da história patriarcal. Foi na antiga Suméria, por volta de 2.000 a.C., que surgiram as primeiras leis segregando as duas. Nessa época, já começava a ampliar a lacuna entre as boas, dóceis e obedientes, esposas e as más, sexualmente autónomas, prostitutas». In Patrícia Pereira, As prostitutas na História, Jacques Rossiaud, A Prostituição na Idade Média, 1991, Margareth Rago, Os Prazeres da Noite, 2008, Revista Leituras da História, wikipédia, 2009.

Cortesia de RLdaHistória/JDACT