Cortesia
de wikipedia e jdact
Bórgia,
o papa sinistro
«(…)
A fronteira entre a verdade e a difamação desenfreada não está, em hipótese
alguma, delimitada. Embora venha à tona com a devida clareza a que propósitos
servem essas histórias escandalosas que circulam por aí, nem tudo o que se diz
à boca pequena sobre o papa e sua família tem de necessariamente ter sido
inventado, não se pretende de forma alguma favorecer o surgimento de histórias
misteriosas. Em vez disso, trata-se de submeter a uma nova investigação todas
as referências transmitidas, incluindo os documentos que nos últimos séculos
tornaram-se acessíveis pela primeira vez: o que pode ser dado como certo, o que
fica em aberto, o que é menos plausível, o que está obviamente errado? Isso soa
como um trabalho de detective e, de facto, assemelha-se a ele. É possível ler a
história de Alexandre VI e dos Bórgia como um romance policial. Não há nada de
aviltante nisso. A revisão de indícios, a consideração de situações sob pontos
de vista diferentes e muitas vezes contraditórios e, especialmente, a
investigação dos motivos são actividades intelectuais de conotações nobres. Levam
aos métodos da crítica das fontes e, com isso, a possibilidades, riscos e
limites da história como ciência. E tem mais a oferecer do que meras teorias. Quem
conhece Alexandre VI, em suas negociações com embaixadores de potências
estrangeiras, e César Bórgia, ao lidar com seus inimigos, é instruído
detalhadamente nas artes da propaganda, da manipulação e do engano, e tem todo
o direito de tirar conclusões legítimas de que o abismo entre as aparências e a
realidade na política persiste até hoje. A história ensina a vida. Mesmo com
todas as semelhanças, as investigações a respeito de Alexandre VI e seus
familiares apresentam uma diferença crucial em relação ao trabalho de detective.
Os romances policiais geralmente acabam com a identificação dos culpados e da
revelação de seus motivos. No caso do papa Bórgia, muitas questões permanecem
em aberto. Não que faltem hipóteses, suposições ou especulações, mas nem sempre
se pode apresentar provas. Para o historiador, reconhecer a falta de conhecimento
e até mesmo a incapacidade de compreensão é, portanto, um acto de honestidade.
A ideia central deste livro deve ser a tentativa de trazer á luz a árdua
verdade histórica, tendo liberdade até mesmo para chegar a outros resultados
que não aqueles das pesquisas do autor principal, que se abstém de todo e
qualquer julgamento moral. As emoções que, todavia, permeiam o texto referem-se
pura e simplesmente a observações, acções e sofrimentos dos contemporâneos. Não
será essa discrição uma violação das regras que garantem a exactidão? Não será
aqui exigida a expressão piedosa de compaixão para com os perseguidos,
expropriados e assassinados? Há três maneiras de contestar. Por um lado, quanto
menor for a imposição do autor, mais naturalmente será levado a tomar partido
das vítimas. Por outro, os seus contemporâneos, Nicolau Maquiavel, Francesco
Guicciardini e Francesco Vettori, só para mencionar três dos mais ilustres, já
interpretaram os excitantes acontecimentos do pontificado Bórgia como um objecto
que nos obriga a reflectir e conduz a novos universos de ideias. E em terceiro
e último lugar, a admiração da posteridade diante do presente não será
supostamente menor do que a nossa estupefacção perante Roma e o papado entre
1492 e 1503. Essa estupefacção está no começo de todas as tentativas de
compreender Alexandre VI e os Bórgia». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o
papa sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.
Cortesia
EEuropa/JDACT