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A intriga de Compostela 1140-1142
Arcos
de Valdevez. Março de 1141
«(…) Preocupado, Afonso Henriques
fez menção de se levantar, o prejuízo seria grande de mais. Porém, o nosso
amigo mostrou porque era ele o alferes dos portucalenses, e declarou ao opositor
ajoelhado, com fino requinte, que o pouparia se ele fizesse uma promessa. Enquanto
o Trava, patético e a tremer de receio, o olhava com expectativa, Gonçalo exigiu:
ide à Terra Santa, com vosso irmão Bermudo, pedir perdão a Deus pelo incesto que
haveis cometido, pois ambos foram maridos da nossa rainha, a falecida dona Teresa!
Então, o antes tão feroz Fernão Peres, esquecendo a vaidade com que pavoneava o
balandrau e tolhido de pavor, garantiu ir a Jerusalém para se penitenciar junto
do túmulo de Cristo, o que satisfez Gonçalo Sousa. Vitória!, alegrou-se Chamoa,
batendo palmas.
A contenda estava encerrada, mas
o nosso alferes ainda provocou algum alarido, pois retirou da cintura do Trava o
belo punhal de Paio Soares, com o qual anos antes fora torturado, nas masmorras
de Tui. Divertido, perguntou ao combalido: então, tudo espeta? Era o bordão brincalhão
que Gonçalo usava. Sempre que chegava perto de nós, em vez de nos saudar com os
bons-dias ou boas-noites, perguntava: então, tudo espeta? Sentado no meu
lugar, não contive o riso, enquanto o nosso amigo, com óbvio prazer levava o punhal
à cara de Fernão Peres e, com a ponta da arma, lhe fazia um minúsculo furo na bochecha,
por onde saiu uma gota de sangue. Estou finalmente vingado!, exclamou Gonçalo.
Virando as costas ao adversário
agarrado à cara, caminhou na direcção do palanque e, com um sorriso triunfante,
entregou a Chamoa aquele belo objecto que pertencera ao primeiro marido dela, Paio
Soares. A minha cunhada aceitou o punhal e sorriu a Gonçalo, enquanto Afonso
Henriques se mantinha sério e o imperador, num palanque do lado oposto ao
nosso, atirava ao chão uma pequena bandeira branca, sinal de que dava por terminado
o bafordo, reconhecendo a derrota de leoneses, castelhanos e galegos.
Nessa mesma tarde, Afonso VII e o
príncipe de Portugal passearam pelos campos de Valdevez e as primeiras palavras
do monarca leonês foram inesperadas. Antes dos tratados, os afectos. O imperador
perguntou se o primo tinha mesmo desposado Chamoa. Não recebendo resposta, criticou-o:
um casamento secreto... Ela merece melhor! Decidido, o meu melhor amigo declarou
que não estavam ali para falar sobre mulheres, obrigando o imperador a mudar de
assunto. Esperto e rápido, este concedeu que os territórios de Toronho, Celanova,
Límia, Astorga e Zamora seriam nossos. Mas não o resto da Galiza!, avisou.
Era uma grande vitória, a vasta faixa
sul da Galiza iria finalmente unir-se ao Condado Portucalense, como sempre haviam
desejado o conde Henrique e dona Teresa. Será também vosso o que conquistardes a
sul do Tejo, mas não podereis avançar até Badajoz, Cáceres ou Cória! Afonso VII
considerava que, antes da batalha de Ourique, o primo se internara em demasia na
Andaluzia, e Afonso Henriques aceitou conter-se nessa fronteira. Ides atacar
Córdova?, perguntou o meu amigo. O imperador confirmou estar para breve o ataque
a Cória, que ficava a norte de Badajoz. Além disso, dali a um ou dois verões marcharia
até ao palácio do Azzahrat. Mas Córdova vai demorar a cair, pois Ismar é forte,
disse o imperador. Tendes de fazer a vossa parte! Atacai Santarém e Lisboa!
O príncipe de Portugal prometeu-o,
sem confirmar datas precisas. As primeiras coisas primeiro, o Papa teria também
de o reconhecer rei. Ao ouvir esta exigência, o imperador sorriu: como sabeis que
vos vou fazer rei? Afonso Henriques ripostou-lhe de imediato: não o serei por vossa
vontade, mas sim porque o mereço! Afonso VII calou-se. O primo portucalense
resistira a tudo, não havia como negá-lo. Então, o habilidoso monarca leonês
propôs uma fórmula inovadora para saírem airosamente daquele imbróglio. Sereis rei
de Portugal nos territórios do Condado Portucalense, mas rei-vassalo nos da
Baixa Galiza! Após uma reflexão silenciosa, o príncipe de Portugal aceitou estes
termos, o que levou o seu satisfeito primo a exclamar que a Afonso Henriques, para
ser rei cristão, só faltava agora uma bula do Papa! Examinando os campos que se
estendiam até Arcos de Valdevez, repletos ainda de tendas, cavalos e soldados, Afonso
VII acrescentou: se a relíquia da Terra Santa estivesse já a caminho de Roma...
Sabeis quem a levou? Não, lamentou-se Afonso Henriques». In Domingos Amaral, Assim Nasceu
Portugal, A Intriga de Compostela, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017,
ISBN 978-989-741-713-9.
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