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Guimarães e Coimbra, Agosto de 1144
«(…) Sempre sarcástico, Gonçalo Sousa
comentou: é natural, somos todos homens!
Furibunda, a minha cunhada deu
meia-volta e saiu da sala, seguida por seu filho Pêro Pais e pelo amigo deste, Gualdim
Pais, enquanto Afonso Henriques questionava os presentes, tentando saber do que
falara Chamoa. Ninguém o elucidou e, pouco depois de sairmos também da sala,
meu pai ordenou-me silêncio, prometendo-me que em breve iríamos a Soure, onde o
padre Martinho nos prestaria os necessários esclarecimentos. Fiquei
naturalmente intrigado. Egas Moniz e João Peculiar conheciam a intriga
de Compostela, porque não a revelavam ao rei de Portugal? E porque me
exigiam um mutismo cúmplice?
Distraído por estas dilacerantes
dúvidas, só quatro dias depois descobri que Chamoa nos ludibriara. Em vez de
subir até Tui, tinha ido para Coimbra, onde provavelmente já se encontrava. E
eu sabia onde ela ia, era evidente que queria falar com Martinho Soure. Preocupado
com esta inesperada iniciativa, convenci Afonso Henriques de que devíamos
ajudar os templários. Tinham-nos chegado notícias de lutas próximas de Soure,
os mouros andavam afoitos, era tempo de dar-lhes uma lição. Sempre enérgico e
com vontade de se distrair, o rei de Portugal entusiasmou-se e marchou para o
Sul no primeiro dia de Setembro, sem saber que Chamoa o antecedera em alguns
dias. Logo que chegou a Coimbra, acompanhada de seu filho e de Gualdim Pais, a
minha cunhada dirigiu-se à casa onde Mem vivia com as três irmãs moçárabes,
Ália, Élia e Ília. Ao aproximarem-se da habitação, Pêro Pais agitou-se. A expectativa
de rever as raparigas já o consumia, mas a mãe arrefeceu-lhe os ânimos. Esperai
cá fora, não ides catrapiscar as moças à minha frente!
O filho permaneceu na rua com o
seu amigo Gualdim, enquanto ela entrava na casa. Quando a viu, Mem mostrou-se surpreendido,
não a julgava em Coimbra, e também embaraçado, pois não a voltara a ver após o
ocorrido na praia do rio Arade. Mem querido, que saudades!, exclamou ela. O
almocreve estremeceu: Chamoa usava a senha de Zaida, indicando ao que vinha.
Atrapalhado, ofereceu-lhe de comer e beber e ouviu-a descrever o acontecido em Guimarães.
Alguém nos lançou um bruxedo, a mim e ao Afonso. O olhar vago de Chamoa pousou
no vaso de vinho à sua frente. Sentia-se tentada a abusar da bebida. Mem estava
ali, podia dar-se a ele e pronto, vingava-se. Contudo, de repente estremeceu.
Tenho de saber a verdade!
Em poucas palavras, resumiu ao
almocreve a intriga de Compostela, pedindo-lhe que a levasse ao encontro de
Martinho Soure. Sempre disponível e amigo, Mem aceitou transportá-la até Soure
na carroça, mas só poderiam partir ao final da tarde. Não posso abalar sem avisar
as raparigas, justificou-se. Obrigada a esperar pelas moçárabes, Chamoa voltou à
rua e anunciou ao filho que ia rezar à Sé. Gualdim Pais, que era muito religioso,
desejou acompanhá-la, mas Pêro Pais convenceu-o a um passeio. Vamos
espairecer!, defendeu o meu sobrinho. Após deixarem Chamoa na igreja principal de
Coimbra, os dois caminharam peia almedina até que, numa praceta, Pêro Pais estacou.
Vários comerciantes vendiam alimentos e tecidos e ele descobriu a um canto as três
moçárabes, Ália, Élia e Ília. Animado, compôs a dalmática azul e aproximou-se, parando
à frente de Ília, com um sorriso estampado no rosto. Crescera, era um homem feito,
de ombros largos e braços longos, com uns caracóis soltos muito escuros, que raramente
penteava. Ília, estais mais bela do que nunca!, exclamou. A rapariga fingiu não
o reconhecer, perguntando às irmãs quem era aquele moço tão atrevido. Um pouco atrás
dela, Élia mirou-o de alto a baixo e exclamou: é o filho da rainha, que matava
cobrinhas no rio! Ligeiramente desdenhosa, Ália apreciou-o: está bem lançado, o
menino!» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das
Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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