terça-feira, 20 de maio de 2014

A descoberta da economia-mundo. Immanuel Wallerstein. «… o caminho para uma ciência social historizada infinitamente mais fecunda do que os saberes que conhecemos nos últimos dois séculos. E, por isso, temos que agradecer a “Godinho”, não como o único, mas como um dos pioneiros»

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Uma visão de futuro
«(…) O problema, evidentemente, é que não inventámos um vocabulário adequado a esta imbricação, esta unicidade da vida social moderna. E, consequentemente, caímos todos na utilização deste vocabulário que nos foi legado pelo liberalismo do século XIX. E, consequentemente, reproduzimos sem cessar estas falsas divisões. Nem Godinho nem Braudel nem eu próprio fomos capazes de evitar totalmente esta armadilha. Considero que a busca de um outro vocabulário mais realista é uma das principais tarefas que temos ante nós no século XXI. E, finalmente, há o debate sobre as duas culturas. Construído simplesmente apenas há dois ou três séculos, aquilo a que se chama o divórcio entre a ciência e a filosofia domina-nos nas estruturas de saber. A clivagem epistemológica é um pressuposto basilar da maior parte dos investigadores. Ou se é adepto da ciência ou humanista. São dois campos, duas religiões, que se defrontam, e nem sempre de modo pacífico. No entanto, esta antinomia é tão errada e sem pertinência como as outras antinomias que discutimos.
Desde há trinta anos que esta clivagem, enraizada nas nossas estruturas universitárias, está a ser posta em questão por dois movimentos de saber provenientes dos dois campos. Entre os cientistas, existe agora um forte movimento que se chama as ciências da complexidade, o qual rejeita o uni-linearismo, o determinismo e o reducionismo da ciência dita clássica (de Newton a Einstein), em favor de uma ciência que insiste sobre a impossibilidade intrínseca de prever o facto de que toda a curva tende a desviar-se do equilíbrio, que rejeita a reversibilidade do tempo e põe em realce a flecha do tempo. E, entre os humanistas, existe agora um forte movimento de saber, os estudos culturais, que rejeita os cânones universais da beleza e insiste na contextualização social de toda a actividade cultural.
O que há que observar é que estes dois movimentos tendem para um centro ocupado pelas ciências sociais historizadas, e, portanto, para a possibilidade da restauração de uma epistemologia única do saber, o que irá ter um impacto profundo não somente sobre a busca da verdade, mas sobre todas as instituições universitárias que conhecemos actualmente. Ainda não chegámos à junção destas duas tendências centrípetas, mas pode sugerir-se que se trata de um campo de trabalho central para a evolução futura do saber mundial. Por conseguinte, quatro debates susceptíveis de aplanar o caminho para uma ciência social historizada infinitamente mais fecunda do que os saberes que conhecemos nos últimos dois séculos. E, por isso, temos que agradecer a Godinho, não como o único, mas como um dos pioneiros». In tradução de António Sousa Ribeiro.

In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 69, 2004.

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