«Os Livros de
Linhagens, a que no século XVI se deu também o nome de Nobiliários, são quatro obras
escritas durante a Idade Média onde se descreve a genealogia das principais
famílias nobres no reino. O primeiro, também chamado Livro Velho e o
quarto, conhecido como Nobiliário do Conde Pedro de Barcelos,
estão completos. Dos restantes chegaram até nós apenas fragmentos (Segundo de Linhagens, ou Segundo Livro Velho, e Terceiro Livro de Linhagens, ou Nobiliário da Ajuda). O Livro do Conde Pedro de Barcelos
é o mais desenvolvido dos quatro, tendo o autor pretendido apresentar um resumo
da história universal. Pedro, conde
de Barcelos, era filho natural do rei Dinis I e bisneto de Afonso X. Os Livros de Linhagens foram
publicados no século XIX por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta Historica,
volume dedicado aos Scriptores». In Projecto Vercial
Livro Velho ou Primeiro livro
de linhagens
Começo do livro velho
«Em nome de Deos Amen. Por saberem os homens fidalgos de
Portugal de qual linhagem uem, e de quaes coutos, honras, mosteiros, e igreias
som naturaes, e per saberem como som parentes fazemos escreuer este liuro
uerdadeiramente dos linhagens daqueles que som naturaes e moradores no reino de
Portugal estremadamente. E deste liuro se pode seguir muita prol e arredar
muito danno: ca muitos uem de bom linhagem e nom o sabem elles, nem o sabem os
reis, nem o sabem os grandes homens: ca se o soubessem em alguma maneira lhes
uiria ende bem, em algüa maneira, dos senhores. E os outros nom casam como
deuem, e casam me pecado porque nom sabem o linhagem. E muitos som naturaes e
padroeiros de muitos mosteiros, e de muitas igreias, e de muitos coutos, e de
muitas honras, e de muitas terras, que o perdem a mingoa de saber de que
linhagem uem: e outros se fazem naturaes de muitos lugares onde o nom som:
porque des o tempo delrey D. Affonso o que ganhou Toledo aca forom feitos os
mais dos mosteiros, e igreias, e dos coutos, e das honras. Que em tempa deste
rey que reinou longamente forom muitos ricos homens, e infançoens que ora poremos
por padroens onde descendem os filhos d'algo. Em tempo deste rey foi D. Egas
Gomes de Sousa, D. Gonçalo Trastamires da Maya, e D. Mendo Alão de Bragança, e
D. Egas Gozendes de Riba do Douro, E D. Moninho Veegas de Riba do Douro, e D.
Pedro Tracosendes de Panha de Riba do Douro, e D. Suer Guedez o da Varsea, e D.
Fafes Serraciis de Lanhoso, e D . Egas Paes do Boiro de Penagate, E D. Guterre
Alderete da Sylua, e D. Pay Guterres de Cunhaens, e D. Vasco Nunes de Baruens,
e D. Rodrigo Froiaz de Trastamara que casou em f'ortugal, e D. Vermuim Paes que
casou em Portugal; e o conde D. Nuno de Cellanoua que casou, e Ayres
Carpinteiro donde uem os Ramyrãos, e Pay Reymondo donde uem os Correãos, e D.
Ayras Nunes donde uem os de Valladares, e outros muitos. In Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores.
Segundo livro de linhagens
Lenda de Gaia
«Este he o linhagem dos mui nobres e muy honrados
ricos-homens, e filhos-dalgo da Maya, em como elles vem direitamente do muito
alto e mui nobre rey D. Ramiro; e este rey D. Ramiro seve casado com huma
rainha, e fege nella rey D. Ordonho; e pois lha filhou rey Abencadão que era
mouro, e foilha filhar em Salvaterra no logo que chamão Myer: entom era rey
Ramiro nas Asturias: e quando Abencadão tornou adusea para Gaya, que era seu
castello, e quando veo rey Ramiro não achou a sa molher e pesoulhe ende muito,
e enviou por seu filho D. Ordonho e por seus vassallos, e fretou saas naves, e
meteuce em ellas, e veyo aportar a Sanhoane da Furada; e pois que a nave entrou
pela foz cobrioa de panos verdes, em tal guiza que cuidassem que erão ramos, ca
entonce Douro era cuberto de huma parte e da outra darvores; e esse rey Ramiro
vestiosse em panos de veleto, e levou consigo sa espada, e seu corno, e falou
com seu filho e com os seus vassalos que quando ouvissem o seu corno que todos
lhe acorressem, e que todos jovecem pela ribeira per antre as arvores, fora
poucos que ficassem na nave para mantela, e el foice estar a huma fonte que
estava perto do castello; e Abencadão era fora do castello, e fora correr seu
monte contra Alfão; e huma donzella que servia a rainha levantouce pela menhã
que lhe fosse pela agoa para as mãos; e aquella donzella havia nome Ortiga; e
ella na fonte achou iazendo rey Ramiro, e nom o conheceo, e el pediolhe dagoa
pela aravia e ella deulha por hum autre, e el meteo hum camafeo na boca, o qual
camafeo havia partido eom sa molher a rainha pela meadade; el deuse a beber, e
deitou o anel no autre, e a donzella foice, e deo agoa a rainha, e cahio-lhe o
anel na mão, e conheceoo ela logo: a rainha perguntou quem achara na fonte:
ella respondeu que não era hi ninguem: ella dice que mentia, e que lhe nom
negace, ca lhe faria por ende bem, e merce; e a donzela lhe disse entom que
achara hum mouro doente e lazarado, e que lhe pedira d'agoa que bebece, e ella
que lha dera; e entonce lhe disse a rainha que lhe fosse por el, e se hi o
achasse que lho adusese. A donzela foi por el, e dicelhe ca lhe mandava dizer a
rainha que fosse a ella; e entonces rey Ramiro foise com ella; e el entrando
pela porta do paço conheceo-o a rainha, e dicelhe – «Rey Ramiro quem te aduse
aqui?» In Livros de Linhagens, Projecto Vercial, Portugaliae Monumenta Historica, volume dedicado aos Scriptores, Alfarrábio da
Universidade do Minho, 1996-2013, Wikipédia.
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