quarta-feira, 14 de maio de 2014

Damião de Góis. The Life and Thought of a Portuguese Humanist. Elisabeth F Hirsch. «Em 1527 João III criou bolsas para estudantes portugueses no colégio de Sta. Bárbara em Paris, de que Diogo Gouveia, ‘o Velho’, português de nascimento e conservador por inclinação, era director»

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O Humanismo em Portugal no reinado de João III (1521-1557)
«(…) Considerava o tremor de terra que tinha acabado de abalar Lisboa e o centro do Reino como um desses paradoxos. Avisava os frades de que não deviam tomar essa catástrofe como sinal da cólera divina contra os pecados dos Cristãos Novos, nem como pretexto para os perseguir. O tremor de terra era um acontecimento natural, que não era causado pela intervenção miraculosa de Deus, frisava Gil Vicente. Essa ênfase posta em sublinhar a lei da natureza por um grande poeta assinala o espírito científico nascente que, pelo menos em Portugal, estava tão ligado às explorações como ao humanismo ou ainda mais. Como o movimento humanista se expandiu em Portugal já depois de Gil Vicente ter sido moldado pelas principais influências formativas, ele não era humanista. O caso de Camões era diferente. Os Lusíadas, publicados em 1572, foram escritos no estilo grandíloquo da antiga poesia épica, tendo o poeta utilizado abundantemente a mitologia pagã e revelado a inspiração recebida da Eneida de Virgílio e, possivelmente, de outros modelos da Antiguidade.
As actividades dos cientistas portugueses eram até certo ponto estimuladas pelo humanismo. Por altura dos fins do século XV circulavam em Portugal, por entre um vasto público, escritos de antigos geógrafos como o De Situ Orbis de Pomponius Mela, a Geographia de Ptolomeu ou a História Natural de Plínio. Quer por influência dos autores da Antiguidade, quer pela das aventuras além-mar, a invulgar combinação de teoria e prática entre os cientistas portugueses insere-se no contexto do realismo humanista. Pode-se citar Garcia da Orta, o conhecido botânico dos Collóquios dos simples e drogas e cousos medicinais da India e assi de algumas frutas achadas nela, como exemplo de rigor científico na observação e experimentação. A descrição das plantas e drogas medicinais que Garcia da Orta descobriu na Índia baseava-se, em muitos casos, em experiências feitas por ele mesmo. Os intelectuais do resto da Europa aperceberam-se bem da importância do livro de Garcia da Orta que em 1567, isto é, apenas quatro anos após a sua publicação, foi traduzido para latim pelo botânico holandês Carolus Clusius. Também me ocorre o nome de Pedro Nunes, astrónomo e matemático. As experiências marítimas de João de Castro enriqueceram a base factual sobre a qual Pedro Nunes construiu as suas teorias, e João, como era de esperar, serviu-se por sua vez dos conhecimentos teóricos de Nunes. A maioria das figuras de destaque ligadas às aventuras marítimas escreviam diários ou deixavam memórias que ajudavam os estudiosos de campos muito diversos a utilizarem métodos que se aproximavam dos níveis modernos. A sofreguidão com que os viajantes portugueses recolhiam dados em países estranhos compara-se à avidez da procura de novos manuscritos pelos humanistas.
Por outro lado, a cultura humanística em Portugal não publicou nenhuma obra com a magnitude da Bíblia Poliglota de Alcalá. Para que isso se compreenda, é preciso ter em conta a pequena dimensão do país e o facto de que uma boa porção dos seus habitantes, entre os quais se contavam muitos jovens de talento, estava envolvida nas questões do ultramar. Isso também pode explicar a razão por que a comunidade humanista era um grupo reduzido e bastante selecto. intimamente ligado à corte. Apesar disso as actividadeí humanísticas dos portugueses merecem ser melhor conhecidas, em especial por terem florescido num clima intelectual único. Antes de o rei iniciar a reforma universitária, os estudantes jovens e ambiciosos procuravam uma educação humanística no estrangeiro, nas universidades de Itália, Espanha, França ou da Flandres. Em 1527 João III criou bolsas para estudantes portugueses no colégio de Sta. Bárbara em Paris, de que Diogo Gouveia, o Velho, português de nascimento e conservador por inclinação, era director. Mas só se pensou nisso como uma medida a curto prazo, pois que poucos anos mais tarde o rei ponderava as possibilidades de melhorar o ensino na Universidade». In Elisabeth Feist Hirsch, The Life and Thought of a Portuguese Humanist, The Hague Netherlands, 1967, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, ISBN 972-31-0677-9.

Cortesia de FCG/JDACT