sábado, 24 de maio de 2014

Mosteiro de Santo Tirso. De 978 a 1588. «Depois, fechou as portas do mosteiro, beijou o solo. Agoniado no coração, intuiu a suspeita de que os seus religiosos sairiam do convento, mas não como em 1385. Agora, talvez, sem esperança de regresso. E adivinhou...»

Cortesia de wikipedia

O mosteiro de Santo Tirso, antes de 1092. Silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária
«Um primeira fase (978-1092), de silhueta imprecisa. De que ordem não se saberá. Logo o acto solene de 1092 foi, certamente, entre outras coisas, uma filiação, não propriamente uma fundação: os monges, aos finais do século XI, sem que interrupção de vida monástica houvesse, conforme penso, tão só adoptaram uma Regra, a de S. Bento. Julgo que sim. Porque só uma filiação, respeitar-se-ia o orago de trás, o mártir Santo Tirso. Mas logo se lhe adoçaria a protecção secundária de Nossa Senhora da Assunpção, que já figura na carta de couto de 1098. E que, depois, a Senhora-a-Alta se revigoraria, a ponto de reagir-se contra o declínio e postergação do santo asiático. Da organização da comunidade original também nada, ou pouco, sabemos Mas avulta já uma faceta que marcaria, com vigor, a caminhada histórica do mosteiro de Santo Tirso. De coração aberto aos problemas do homem e do mundo. Assim, a controvérsia de 1100-1101, entre o convento e o arcebispo S. Geraldo, revelará, por analepse, num recuo mesmo às origens, o acolhimento do mosteiro a favor dos viandantes, sem distinção. Eclesiásticos ou leigos, pobres ou da fidalguia, todos encontravam na nossa casa religiosa uma telha que os abrigasse e um naco de pão que lhes fornecesse vigor. A história de Gonçalo Pais, da Casa de Marnel, e ligado aos padroeiros de Santo Tirso, por parte da mãe, demonstra também igualmente a fama deste mosteiro, e os insucessos na recuperação do enfermo pode ser nada a deslustrem, no tratamento e solicitude em prol dos doentes. Uma espiritualidade, pois, que os não alienaria na função absorvente do culto e do altar ou na ascese redentora que os levasse a uma desvinculação total e pessoal dos laços corpóreos e mundanais. Antes, lhes infundia na devoção aos homens o calor místico de um encontro maior e mais estreito com Deus, em pessoa. O seu mistério o sondavam no coração mesmo da história.

Após 1092
Uma data importante: 1092. Agora, a filiação beneditina do nosso mosteiro, suponho, a eleição de Gaudemiro, escolhido pelo voto dos monges, apresentado pelos vinte e tantos padroeiros, confirmado e ordenado por Crescónio, bispo de Coimbra, o compromisso dos padroeiros sobre a indivisibilidade dos bens monásticos, a inauguração de um novo convento... Uma segunda data decisiva: 1402. Toma posse do mosteiro, nesta altura, o primeiro abade comendatário, Martim Aires. Perdem, doravante, os monges de Santo Tirso o direito da eleição; e os padroeiros o direito que lhes competia, o de apresentarem o abade. Sabemos pelas linhas e entrelinhas dos processos da nomeação quem são os promotores dos candidatos, ao nível das prelaturas. Outra data a impor um novo rumo no historial da comunidade religiosa: 1588. A 16 de Julho aconteceu a resignação do último comendatário, o cardeal Alexandre Farnese. Uma outra cronologia a reter-se, a de 1590: início dos abades, eleitos pelos monges, mas agora trienais. Foi o regime que perdurou até à abolição das Ordens religiosas: Maio de 1834. Dois meses antes, a 26 de Março, esquivar-se-iam, por antecipação, os nossos monges ao cutelo do Mata-frades. Com a entrada dos liberais na nossa cidade, o último prelado remeteria os monges para as suas terras de origem. Depois, fechou as portas do mosteiro, beijou o solo. Agoniado no coração, intuiu a suspeita de que os seus religiosos sairiam do convento, mas não como em 1385. Agora, talvez, sem esperança de regresso. E adivinhou...

De 1092 a 1395
É o período dos abades eleitos e vitalícios. Desde o abaciado de Gaudemiro até ao de Vicente Rodrigues. Há uma subdivisão. Isto é seguro. Confesso ingenuamente que me não sinto com forças para a tarefa de a delimitar. Isto é, não sei cronometrar a primeira série, a dos abades de rigorosa observância, e a que lhe sucederá, a daqueles a que se dá o nome de abades da claustra, quando se opera a divisão tripartida dos bens monásticos: duas partes para a mesa abacial e uma parte para a mesa conventual. À semelhança, diga-se, do que antes se fizera nas dioceses, com a instalação bipolarizada, mas em desigualdade, da mesa episcopal e da mesa capitular. Timidamente, aponto esta subdivisão, pelo que toca ao mosteiro de Santo Tirso: 1092-1171: abades de estrita observância; 1171-1396: abades da claustra. A data de 1171, como momento hipotético da uma fractura, de uma transição já efectuada, terá a sua justiça no facto da capacidade de que já usufruíra o abade Fernão Mendes, a de dispor dos seus bens, talvez, fracções da chamada mesa abacial, à sua morte, em benefício da ovença monástica da enfermaria. Se possuía bens seus e deles podia dispor é porque, no mosteiro, já tudo não seria em comum...

De 1402 a 1588
De 1396, morte do último abade da claustra, até 1402, abre-se um parêntesis: uma fase de transição. À morte de Vicente Rodrigues., último abade da claustra, diz um livro do cartório do mosteiro, houve uma agitada movimentação política. Os monges, com a anuência do padroeiro, decidiriam escolher um frade do convento, João da Maia. O bispo do Porto e o padroeiro, em acção concertada, e depois do segundo dar o dito por não dito!, impuseram-lhes João Afonso Aranha, cónego do Porto, abade de Várzea de Ovelha, Marco de Canaveses e, depois, bispo portucalense (1408-1414). Acatariam os religiosos, anulando, de forma virtual, a eleição de João da Maia». In Francisco Carvalho Correia, Maria Luz Ríos Rodrigues, Wikipédia, Universidade de Santiago de Compostela, Faculdade de Xeografia, História e Arte Departamento de História Medieval e Moderna, 2007, ISBN 978-8498-8703-81

Cortesia USCompostela/JDACT