«(…) Uns meses depois o
cimélio foi declarado de interesse e arrolado. O jovem que identificara o livro
ficou, naturalmente, de lado. Jorge Peixoto que, desde a primeira hora,
manifestara a sua concordância, veio visitar-me para me dizer que, não
conhecendo bem a obra, se sentia mortificado por ser chamado a participar num
tal acto. Tranquilizei-o: pour être
heureux, vivre cache. Era natural que fossem chamados ao Ministério os
representantes da ciência bibliográfica oficial. O artigo de 25 de Maio
desencadeou, portanto, um debate e provocou uma certa efervescência em meios
cultos. Na Universidade os reflexos foram diversos e graduados. Os professores
mais preparados como Virgínia Rau e Lindley Cintra manifestaram
logo um grande interesse pelo achado. A historiadora, que não
simpatizava muito comigo, não sei se pelas minhas relações com a cultura
estrangeira, se por eu não ser da sua escola nem seguir muito as suas
directrizes de história económica, convidou-me a orientar um seminário no seu departamento.
Lindley Cintra desejou colaborar, com Virgínia Rau, com o padre Mário
Martins e comigo, num estudo a quatro acerca do cimélio (estudo que nunca foi
possível levar a bom termo):
- Virgínia Rau estudaria aspectos do contexto histórico em que aparecera o livro;
- Lindley Cintra, grande filólogo, ocupar-se-ia dos lados linguísticos;
- Mário Martins da parte casuística;
- eu, do tema bibliográfico.
Sendo, dos quatro, o
menos competente, mas porventura o mais diligente, foi-me forçoso estudar
sozinho todos esses aspectos na edição publicada em 1973, como primeiro livro de uma colecção, os Portugaliae Monumenta Typographica, que a Imprensa Nacional
se comprometeu a editar e os acontecimentos de 1974-1975, estabelecendo,
com alguma confusão, um regime democrático em Portugal, prejudicaram. Não é que
a Democracia seja incompatível, antes pelo contrário, com a cultura antiga e moderna.
Mas
nem sempre os homens que se dizem democráticos o são verdadeiramente.
Uma tal colecção, parecendo a alguns espíritos modernos e abertos
surgida de uma concepção elitista da vida intelectual, estava naturalmente
condenada, em período de confusão, a desaparecer. Felizmente o Tratado
de Confissom foi editado e teve mesmo a honra de ser discutido na
Sorbonne, em Paris, perante um júri presidido por um sábio de prestígio mundial,
Marcel Bataillon.
O artigo de 25 de Maio
de 1965 teve eco nalguns países europeus:
na Alemanha, na Bélgica, na Itália, na própria Inglaterra. Em Roma, L’Osservatore
Romano consagrou-lhe um artigo. Os técnicos do Gesamtkatalog de
Berlim pediram-me esclarecimentos e vieram a reconhecer como boas as minhas
razões. Talvez valha a pena evocar, ainda, outros comentários. Em fins de Maio
ou inícios de Junho de 1965 os
professores universitários que participaram num congresso luso-brasileiro de cultura,
que tinha sido presidido por Marcelo Caetano, encontraram-se com ele num
jantar, que teve lugar num restaurante de Lisboa. Era, no espírito de todos,
uma homenagem ao presidente que, fora de toda a política e só atento ao
prestígio da ciência e da cultura, conduzira com dignidade a representação portuguesa.
Lembro-me só de alguns nomes, entre os participantes: além de Marcelo Caetano,
Manuel Lopes Almeida, Mário Tavares Chicó, Joaquim Veríssimo Serrão, Maria de
Lourdes Belchior e outros». In José Pina Martins, De como Identifiquei o
Tratado de Confissom, Chaves 8. VIII, 1489, Revista ICALP, vol. 15, 1989.
Cortesia de ICALP/JDACT