A construção de um império marítimo
«(…) Esta sua primeira aventura guerreira no Oriente é típica do
procedimento que manteria sempre; com efeito, e como já ficou dito, Albuquerque
tinha uma ideia muito segura da possível política a seguir para avantajar o
domínio do seu rei no oceano Índico, mas foi com muita frequência infeliz nos meios
bélicos escolhidos para a levar à prática; as suas vitórias, aliás quase sempre
incensadas pelos historiadores, em geral só apareceram depois de rotundos ou de
relativos fracassos. Regressado ao reino dessa primeira experiência no Oriente,
por quanto tempo se deteve aqui?
Diz João de-Barros, e outros autores confirmam, que, por decisão real, foi
agregado à armada da carreira da Índia no ano de 1506, cujo comando fora entregue a Tristão da Cunhal; este devia regressar
logo com a preciosa carga de especiarias, mas Afonso de Albuquerque tinha por
missão expressa andar com os cinco navios na
costa da Arábia, ou seja, de cortar o comércio marítimo que estava em mãos
de muçulmanos. Cunha e Albuquerque comandavam armadas independentes, mas deviam
juntar-se para desencadear uma acção que desmantelasse a fortaleza moura da ilha de Socotorá, onde Diogo
Fernandes Pereira estivera recentemente; o porto da ilha era então considerado
estratégico para a vigilância do movimento marítimo do estreito de
Babelmândebe, e por isso estava determinado que lá ficasse instalada uma guarnição
portuguesa. Os dois capitães largaram juntos do Tejo em 6 de Março daquele ano,
sendo os quatro companheiros do futuro governador Francisco Távora, Manuel
Teles Barreto, Afonso Lopes Costa e António Campo. Não vamos aqui deter-nos com
o descobrimento das ilhas do Atlântico Sul que ainda hoje têm o nome de
Tristão da Cunha, nem com as acções de reconhecimento e de guerra que este
capitão-mor desenvolveu ao longo da costa oriental africana; interessa-nos
falar de Afonso de Albuquerque, que só ficou de posse absoluta do comando da
armada depois de tomada a fortaleza de Socotorá, quando Tristão da Cunha se
dirigiu para a Índia, a fim de proceder à carga das suas naus.
Como se disse, a principal incumbência do futuro governador era guardar
com as suas naus a entrada do mar Vermelho; embora João de Barros diga que
também lhe tinha sido recomendada pelo rei a conquista da Arábia (o que
parece um claro exagero), é certo que nem o primeiro plano que expressamente
lhe cumpria executar pôde ser cumprido. Albuquerque
talvez tenha pensado que a posse da ilha de Socotorá não era suficiente para
servir de base estratégica para essa missão de vigilância, e lançou por isso as
suas vistas para perspectivas mais largas; sem que tal estivesse explícito nas
ordens reais, considerou que, se a entrada e a saída do mar Vermelho podiam ser
barradas com um bloqueio a partir de uma base sitiada em Socotorá, outro caminho
para a penetração das especiarias na Europa, o estreito de Ormuz, estava aberto
ao comércio oriental que se quisesse subtrair à fiscalização portuguesa. É
verdade que Socotorá de pouco ou nada valeu para o objectivo que levou à sua
conquista, mas esta desilusão, que levou, poucos anos depois, ao abandono da
fortaleza construída pelos portugueses na ilha, só com o tempo se tornaria bem
clara. É certo igualmente que Barros explica a alteração ao projecto inicial pela
circunstância de a armada ter encontrado tempos contrários para navegar ao
largo de Adém.
O historiador estaria bem informado; todavia, parece-nos significativo
verificar que, logo que Afonso de Albuquerque se viu com a liberdade de decidir
pela sua vontade e de acordo sobretudo com os seus planos, zarpou de Socotorá em
20 de Agosto de 1507, decerto já com
o propósito de ir até Ormuz, passando por várias cidades ou lugares de que os Árabes
eram senhores na costa da Arábia, embora na dependência daquele reino;
acompanharam-no as naus que tinham partido sob o seu comando de Lisboa, e mais
uma nau de João da Nova e uma fusta, construída na ilha de Socotorá, cujo comando
foi entregue a Nuno Vaz Castelo Branco». In Luís de Albuquerque, Navegadores,
Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Afonso de Albuquerque,
Editorial Caminho, Lisboa, 1987.
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