terça-feira, 20 de maio de 2014

Afonso Albuquerque. Navegadores. Viajantes. Aventureiros. Luís Albuquerque. «É verdade que Socotorá de pouco ou nada valeu para o objectivo que levou à sua conquista, mas esta desilusão, que levou, poucos anos depois, ao abandono da fortaleza construída pelos portugueses na ilha…»

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A construção de um império marítimo
«(…) Esta sua primeira aventura guerreira no Oriente é típica do procedimento que manteria sempre; com efeito, e como já ficou dito, Albuquerque tinha uma ideia muito segura da possível política a seguir para avantajar o domínio do seu rei no oceano Índico, mas foi com muita frequência infeliz nos meios bélicos escolhidos para a levar à prática; as suas vitórias, aliás quase sempre incensadas pelos historiadores, em geral só apareceram depois de rotundos ou de relativos fracassos. Regressado ao reino dessa primeira experiência no Oriente, por quanto tempo se deteve aqui? Diz João de-Barros, e outros autores confirmam, que, por decisão real, foi agregado à armada da carreira da Índia no ano de 1506, cujo comando fora entregue a Tristão da Cunhal; este devia regressar logo com a preciosa carga de especiarias, mas Afonso de Albuquerque tinha por missão expressa andar com os cinco navios na costa da Arábia, ou seja, de cortar o comércio marítimo que estava em mãos de muçulmanos. Cunha e Albuquerque comandavam armadas independentes, mas deviam juntar-se para desencadear uma acção que desmantelasse a fortaleza moura da ilha de Socotorá, onde Diogo Fernandes Pereira estivera recentemente; o porto da ilha era então considerado estratégico para a vigilância do movimento marítimo do estreito de Babelmândebe, e por isso estava determinado que lá ficasse instalada uma guarnição portuguesa. Os dois capitães largaram juntos do Tejo em 6 de Março daquele ano, sendo os quatro companheiros do futuro governador Francisco Távora, Manuel Teles Barreto, Afonso Lopes Costa e António Campo. Não vamos aqui deter-nos com o descobrimento das ilhas do Atlântico Sul que ainda hoje têm o nome de Tristão da Cunha, nem com as acções de reconhecimento e de guerra que este capitão-mor desenvolveu ao longo da costa oriental africana; interessa-nos falar de Afonso de Albuquerque, que só ficou de posse absoluta do comando da armada depois de tomada a fortaleza de Socotorá, quando Tristão da Cunha se dirigiu para a Índia, a fim de proceder à carga das suas naus.
Como se disse, a principal incumbência do futuro governador era guardar com as suas naus a entrada do mar Vermelho; embora João de Barros diga que também lhe tinha sido recomendada pelo rei a conquista da Arábia (o que parece um claro exagero), é certo que nem o primeiro plano que expressamente lhe cumpria executar pôde ser cumprido. Albuquerque talvez tenha pensado que a posse da ilha de Socotorá não era suficiente para servir de base estratégica para essa missão de vigilância, e lançou por isso as suas vistas para perspectivas mais largas; sem que tal estivesse explícito nas ordens reais, considerou que, se a entrada e a saída do mar Vermelho podiam ser barradas com um bloqueio a partir de uma base sitiada em Socotorá, outro caminho para a penetração das especiarias na Europa, o estreito de Ormuz, estava aberto ao comércio oriental que se quisesse subtrair à fiscalização portuguesa. É verdade que Socotorá de pouco ou nada valeu para o objectivo que levou à sua conquista, mas esta desilusão, que levou, poucos anos depois, ao abandono da fortaleza construída pelos portugueses na ilha, só com o tempo se tornaria bem clara. É certo igualmente que Barros explica a alteração ao projecto inicial pela circunstância de a armada ter encontrado tempos contrários para navegar ao largo de Adém.
O historiador estaria bem informado; todavia, parece-nos significativo verificar que, logo que Afonso de Albuquerque se viu com a liberdade de decidir pela sua vontade e de acordo sobretudo com os seus planos, zarpou de Socotorá em 20 de Agosto de 1507, decerto já com o propósito de ir até Ormuz, passando por várias cidades ou lugares de que os Árabes eram senhores na costa da Arábia, embora na dependência daquele reino; acompanharam-no as naus que tinham partido sob o seu comando de Lisboa, e mais uma nau de João da Nova e uma fusta, construída na ilha de Socotorá, cujo comando foi entregue a Nuno Vaz Castelo Branco». In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Afonso de Albuquerque, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT