Calhamaço primeiro. A Lota. O regateio
De todos os meios conhecidos, o
comércio é o mais expedito para fazer fortunas.
«O senhor Teopempo Luarca Novillejo, indiano de cangas de Narcea, onde
põe a mão brota ouro. O senhor Teopempo Novillejo, embora lhe chamem Pichón,
tem arrojo suficiente para comprar a estrela da manhã num saldo e vendê-la,
pelo dobro e quinze dias depois, a um cavalheiro português na feira de Ciudad
Rodrigo. O senhor Teopempo, mais conhecido por Pichón, é armador, rotário,
esclavagista e diabético. Sua senhora, D. Filonila Swan, mais conhecida por
Flor de Lótus, é uma dominicana gorda, mulata e cheia de sentimento, que canta
a ópera Carmen e declama Amado Nervo
pondo os olhos em alvo. Às vezes, quando as senhoras saem, além de gordas, cultas,
o mais prudente é abalar e dizer fiquem para aí com Deus! O senhor Teopempo, no
entanto, suporta ventos e marés, porque é corajoso por natureza e dado a declamar
de cor Calderón de la Barca:
Y para mí, el que es valiente
es todo lo demas, puesto
que el ánimo es don del alma
y la agilidad, del cuerpo.
O senhor Teopempo Novillejo, mais conhecido por Pichón, aprendeu
no Egipto as pacientes artes do embalsamamento e, assim que um vizinho se
descuida, ele vai e embalsama-o; depois, se puder, vende-o (apenas para
compensar os gastos). O senhor Teopempo é dado ao regateio, e apesar de pôr
um preço aos seus embalsamados, admite a tratantice: o tempero do toma lá dá cá.
Segundo o seu amigo e biógrafo, senhor Zaqueo Sacristán (que também não é
judeu), o senhor Teopempo amealhou uma fortuna muito considerável
embalsamando futebolistas, que depois vendia em Hong-Kong ou do outro lado da
cortina de ferro, conforme. O senhor Teopempo, mais conhecido por Pichón,
é um tratante de nível e não um tratante de pequena cabotagem e roído por
preconceitos. A Interpol, algumas manhãs, incomoda-o, mas como o senhor
Teopempo tem os papéis em ordem, depressa os despacha.
Durante a II Guerra Mundial, o senhor Teopempo andou pela Gronelândia,
passando frio e colhendo sabedorias sobre o frio, por exemplo: um homem em
hibernação rejuvenesce em função directa do quadrado do frio que conseguir
suportar, expresso em graus centígrados, dividido pela raiz quadrada do seu ângulo
facial, expresso em graus, minutos e segundos. A descoberta de Teopempo, ou
teorema de Luarca Novillejo, condensa-se na seguinte fórmula:
e é de grande utilidade nas indústrias cárnicas e na expedição de futebolistas
para confins longínquos. O senhor Teopempo, mais conhecido por Pichón,
aprendeu as suas manhas no livro intitulado Como
sendo ruivo, gago e órfão, triunfei na vida e cheguei a senador pelo Estado de
Nebrasca, original de Mr. Skillet, cavalheiro que foi morrer em San
Bartolomé de Pinares, província de Ávila, Spain, durante a rodagem do filme Orgulho e Paixão, no qual trabalhava
como figurante. Ao pobre Mr. Skillet (que em paz descanse) caíram-lhe em
cima, e talvez um pouco ao vivo de mais, três moços indígenas que figuravam no
lado contrário e, claro está, bateu abota, sabe-se lá se de susto. O senhor Teopempo
mandou dizer-lhe umas missas e D. Filonila, a sua senhora, declamou-lhe um
verso. - E o senhor acha que ainda
está em moda dizer versos nos enterros? - Sei lá, homem, eu direi, eu
acho que sim. O verso de D. Filonila era muito respeitoso, era o que se costuma
chamar um verdadeiro verso de funeral: animula,
vagula, blandula..., pallidula, rigida, nudula, etc., um verso de funeral
do mais que pode haver. D. Filonila é muito espiritual e respeitadora, muito lírica
e decente, não pense que não. O senhor Teopempo, mais conhecido por Pichón,
importa futebolistas como quem importa motores a gasóleo, e exporta
futebolistas como quem exporta citrinos e derivados. Aqui não se engana ninguém
e quem quiser jogar que jogue.
O senhor Teopempo tem um barco veleiro que nunca se sabe se vai para
Cádis ou para Cartagena, o seu primo, o senhor Lifardo Novillejo Marimón, que é
muito dado ao sequeiro, usa bicicleta com guiador de passeio, vendo assim como
a sua vida se gasta a pedalar de Pinto a Valdemoro e volta, como se não fosse
nada. Nisto das tendências já se sabe que as há para todos os gostos, medidas e
ressaibos. O senhor Teopempo, mais conhecido por Pichón, embora não seja
de Orense, joga dominó com mestria e com um estilo muito elegante e barroco,
muito poderoso e loquaz; às vezes, quando se livra do doble de seis, até parte
as mesas. A juventude não tem muita explicação para o seu ímpeto, mas isso é
coisa que não preocupa muito o senhor Teopempo, dado que, como bem se sabe,
porque assim no-lo explica santo Ambrósio, a juventude é uma coisa suspeita
mesmo quando a fidelidade é certa. O senhor Teopempo, que também foi jovem,
sabe que nem tudo é fácil e nem tudo o que reluz é ouro. - Dá-me um copinho de gasosa, por causa dos gases? - Ora essa,
cavalheiro, sempre às suas ordens! O senhor Teopempo é mais adepto da física do
que da química; os seus futebolistas poderão estar congelados, lá isso sim, mas
nos seus organismos não se detectam os mais leves indícios de formol ou outras
drogas. A seriedade comercial, a longo prazo, é muito rentável e conveniente.
- O senhor pode dar-me um palito para os dentes, se faz favor?
- Ora essa, cavalheiro; um escravo às suas ordens. O senhor Teopempo, mais
conhecido por Pichón, bebe o café sem açúcar e usa ceroulas para o frio não
lhe subir pelas pernas como uma lagartixa. Quando se chega a certas idades
pensa-se que o frio é bom e saudável para o próximo, mas não para a própria pessoa.
D. Filonila cuida com muito esmero do senhor Teopempo e vigia-lhe os índices e
níveis da glicosúria, para ele poder continuar a dedicar-se ao regateio. D.
Filonila baixa o açúcar do sangue ao cônjuge declamando-lhe poesias de Amado
Nervo, do divino jogral Amado Nervo.
Governos, em vão quereis fazer um
óbice
daquilo que é um grande sinal de
paz
entre os povos!
- Caramba, que senhora! - Sim,
meu bom amigo; talvez não lhe falte parte de razão. Eu também penso que D.
Filonila, em certas ocasiões, se passa um pouco dos carretos. As damas
propensas a dizer versos é no que dão: às vezes, parece que depende da Lua,
abusam um pouco das circunstâncias». In Camilo José Cela, Once Cuentos de Futbol,
1963, Onze Contos de Futebol, Edições ASA, Porto, 1994, ISBN 972-41-1305-1.
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