terça-feira, 20 de maio de 2014

Tomé Pires. A Presença do Espírito Científico. Viajantes. Aventureiros. Luís Albuquerque. «… desempenhava o lugar de boticário de João II, e que ele se lançara na mesma profissão, sendo apontado por Fernão Lopes de Castanheda como boticário do príncipe Afonso; e a informação é de certo modo corroborada por Afonso de Albuquerque…»

Tomé Pires, boticário e filho de boticário
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«É bastante obscura a vida de Tomé Pires antes de ter chegado à Índia. De Malaca escreveu ao irmão João Fernandes uma carta datada de 7 de Novembro de 1512, que pouca luz faz sobre o caso; pelo endereço sabe-se que o irmão estava em Lisboa e há no texto referências a familiares, nomeadamente a um cunhado que vivia com o signatário; além disso, Pires confessa que enriquecera, mas não incita o destinatário a seguir-lhe o exemplo, antes lhe dá a entende que o não faça, por causa dos trabalhos em que estaria envolvido se intentasse tal aventura. Do que avulsamente nos dizem as crónicas apura-se que seu pai desempenhava o lugar de boticário de João II, e que ele se lançara na mesma profissão, sendo apontado por Fernão Lopes de Castanheda como boticário do príncipe Afonso; e a informação é de certo modo corroborada por Afonso de Albuquerque, que numa carta o designa por boticário do príncipe. O facto de o governador ter silenciado o nome deste levou os historiadores a desentenderem-se, pois alguns pretendem que tal príncipe fosse o futuro João III. É um problema de secundária importância, e até prova em contrário devemos aceitar o que de modo tão afirmativo nos transmitiu Castanheda. O príncipe será, pois, o único filho legítimo de João II, falecido prematura e desastrosamente em 13 de Julho de 1491.
Para exercer o cargo de boticário deste infante de Portugal, não podia Pires ter menos de uns vinte a vinte e cinco anos à data do desastre que vitimou o herdeiro do trono, o que situa o nascimento do boticário entre os anos de 1465 e 1470. Armando Cortesão, a quem se deve a melhor biografia de Tomé Pires, chama de resto a atenção para os termos em que o seu biografado, numa carta de 10 de Janeiro de 1513, alude a Pêro Pessoa, que sucedera ao experiente Rui Araújo como feitor de Malaca; com efeito, Pires considera-o tão mancebo, dando a entender que lhe repugnava, como escrivão, servir sob as suas ordens. Isto mostra que seria homem de idade madura, entre os quarenta e três e os quarenta e oito anos, se está certa a nossa hipótese acerca da data do seu nascimento. Em um outro passo da mesma carta parece confirmar essa indicação acerca da sua idade; de facto, apontando a grande importância da posse de Malaca para a coroa portuguesa, deseja que nela estivessem três ou quatro homens de barbas brancas que não entrassem na fazenda de El-Rei; o homem experiente, que ele era, tinha dúvidas quanto à qualidade do serviço de gente jovem, posição que parece confirmar que já não seria novo.
Quanto ao lugar do seu nascimento, tem sido apontada a cidade de Leiria. Quem espalhou a notícia foi Faria Sousa, mas a origem dela está na Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto; diz este aventureiro que, no decurso das suas deambulações pela China, em 1543, encontrara uma luso-chinesa, que sabia algumas palavras de português e declarou chamar-se Inês de Leiria; seria filha de Tomé Pires, e o patronímico indicaria a terra da origem do seu progenitor. E uma suposição plausível, que em todo o caso não convenceu Armando Cortesão, pois a considerou mera conjectura. Pires partiu para a Índia na armada de Garcia de Noronha, que largou de Lisboa em Março ou Abril de 1511; só duas das seis velas da armada chegaram no mesmo ano ao seu destino, segundo diz o Livro das Armadas, e Pires teve a sorte de seguir embarcado em uma delas. Segundo ele mesmo afirma, em carta endereçada a Afonso de Albuquerque, ia despachado como feitor das drogarias, tendo três homens ao seu serviço, que com ele embarcaram em Lisboa; além disso, ter-lhe-ia sido também entregue uma botica, avaliada em quatro ou cinco mil reais, que levou consigo. Sabe-se ainda que o lugar lhe rendia de vencimento trinta mil reais por ano e que tinha o direito de negociar anualmente vinte quintais de drogas, à sua escolha; pelo menos durante algum tempo, Pires optou pela canela. Armando Cortesão diz-nos que terá chegado a Cananor à volta de l0 de Setembro de 1511, tendo-se instalado nessa fortaleza, onde de facto exerceu o cargo para que ia nomeado, como é lícito inferir da leitura de uma das cartas que dele se conservam». In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Afonso de Albuquerque, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT