Martim Gil de Soverosa. O bisneto d'O Cativo
«(…) É precisamente nesse ano de 1236
que ocorre o afastamento do todo-poderoso
chanceler mestre Vicente, episódio que desencadeou não só um processo de
desorganização da administração central, mas também da administração regional,
com o afastamento do bastardo de Sancho I, Rodrigo Sanches, das terras de Faria, da Maia, Vermoim e
Lafões; de Gonçalo Mendes Sousa das terras de Lamego e Viseu; e de Vasco Mendes
de Sousa das tenências de Panóias e de Bragança. Foram precisamente todas estas
alterações que, decerto, abriram caminho para um maior protagonismo daqueles
que ainda se mantinham próximos do rei, como era o caso de Martim Gil de Soverosa.
Consequência de toda aquela desorganização e alterações, o reino atravessa
então um período de grande instabilidade. Mais acentuada na zona norte, em
Trás-os-Montes, no Minho e na Beira Alta, expressa-se em roubos, raptos,
tumultos, assassinatos e violências de toda a ordem, algumas das quais levadas
a cabo pelo próprio irmão do rei, o infante Fernando, senhor de Serpa, mas também por diversos bandos nobres. Trata-se de
um quadro de autêntica anarquia que se arrastará ao longo dos anos seguintes e
que o rei, tal como os que lhe são mais próximos, se revelam incapazes ou,
segundo alguns, sem vontade de controlar. São sobretudo estes, em particular Martim, e não tanto o monarca, que os
contemporâneos, nomeadamente aqueles que se opunham a Sancho II, apontam como
os principais responsáveis por todo esse quadro de instabilidade, tumultos e
insegurança que em última análise irá levar, em 1245, à deposição do rei.
Reencontramo-lo em Maio de 1237,
em Santarém, entre os confirmantes do escambo da vila de Mafra pelo castelo da
Juromenha, entregue à Ordem de Avis. No final do ano volta a Santarém, onde está
já no dia 4 de Novembro, a confirmar a renovação da doação régia do padroado
das igrejas de Alcácer e de Palmela, a que se acrescentaram as de Almada,
concedida à Ordem de Santiago.
Em Maio de 1238 Martim Gil
encontra-se, de novo, em Coimbra, onde testemunha a carta destinada ao papa com
o texto da composição entre o rei e o bispo do Porto, Pedro Salvadores, pela
qual se punha termo, ou pelo menos era isso que o rei esperava conseguir, a um longo
diferendo provocado pela disputa dos direitos de apresentação das igrejas da
cidade, do foro eclesiástico e das dízimas reais. Mas este documento, para além
de revelar, através das cedências do rei, a debilidade do poder e da autoridade
de Sancho, demonstra também, como sublinha Hermenegildo Fernandes, o seu
isolamento, pois junto de si encontram-se apenas o alferes Martim Anes de Riba
de Vizela e os três Soverosa: Gil Vasques e os seus filhos Martim Gil e Vasco Gil, este último
nascido do seu segundo casamento, com Sancha Gonçalves Orvaneja.
Ressurge no dia 16 de Janeiro de 1239,em
Lisboa, a confirmar a doação à Ordem de Santiago, do castelo de Mértola e a
doação à mesma Ordem do castelo de Alfajar da Pena. Não deixa de ser
interessante a sua intervenção, enquanto confirmante, nas sete doações régias
feitas à Ordem de Santiago e ao comendador-mor Paio Peres Correia entre 1235 e 1239, ou seja, precisamente no período em que se verifica a maior
ascensão da Ordem. Provavelmente não passa de um mero reflexo da sua presença
constante na corte, mas ainda assim não deixa de ser tentadora a possibilidade
de existir alguma proximidade entre o Soverosa e o futuro Mestre de
Santiago, outro dos membros do grupo restrito que, por essa altura, rodeava o
monarca, que pode ter tido em Martim Gil
um dos seus principais apoiantes». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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