Sociedade, alfabetização e educação no século XIX. Economia e cultura
«No decorrer do século XIX, Portugal passa por sucessivas e importantes
transformações que afectam as suas estruturas económicas e políticas, mas
também as áreas sociais, em particular a educação. A liberdade de imprensa, o
desenvolvimento tecnológico e as novas formas de sociabilidade permitiram um
grande aumento do número de publicações, sobretudo publicações periódicas.
Todos estes jornais e revistas eram um estímulo à produção literária. Grandes
escritores estrearam-se com artigos, novelas e romances nos folhetins dos
jornais diários.
Também se tornou moda a realização de conferências e a fundação de
clubes culturais. Havia o culto pela arte de bem escrever e bem falar. Instaurava-se
em Portugal o Movimento Romântico, onde se destacaram: Almeida Garett
no teatro; Camilo Castelo Branco e Júlio Dinis no romance; Alexandre
Herculano no romance histórico. Destacou-se ainda António Feliciano de
Castilho, o inventor do Método
Castilho de Leitura. A partir de 1860
dá-se uma reviravolta intelectual implantando-se o Realismo, corrente
segundo a qual os artistas procuravam reproduzir o mundo tal como o viam, de
uma maneira mais natural, sem o aspecto sentimental e poético do Romantismo.
Destacaram-se: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Antero de
Quental na literatura; Columbano Bordalo Pinheiro, José Malhoa,
Silva Porto na pintura; o mestre Soares dos Reis na escultura.
O século XIX poderia denominar-se o século
de ouro da burguesia. A nobreza, até, então detentora de privilégios e
hábitos de erudição, viu-se substituída pelos ricos burgueses que tentavam
alcançar prestígio, comprando títulos. Outros afirmavam-se na nova sociedade,
apenas pelas funções que desempenhavam: membros do Governo, diplomatas, advogados,
solicitadores, farmacêuticos, médicos, funcionários públicos. No final do
século XIX, a burguesia dominava a vida política e económica. Todos os
aristocratas e burgueses exigiam que os seus filhos aprendessem línguas
estrangeiras e mandavam-nos, muitas vezes, estudar para fora do país. A função
da mulher continuava a ser de esposa e mãe. Cada vez mais, tinha a tarefa de
ser a educadora na primeira infância dos filhos.
A partir de Inglaterra, um pouco por toda a Europa e mais tarde também
em Portugal, começavam a surgir fábricas. Os artesãos das antigas oficinas
davam lugar aos operários. Esta classe operária conhecia um período de ascensão
demográfica e de concentração nas cidades. A cidade cresceu e modernizou-se.
Lisboa e Porto foram as cidades que mais cresceram. Lisboa tinha novos meios de
comunicação, muito mais perto do resto da Europa. Ao longo do século XIX, começou
a falar-se da classe operária
e das suas difíceis condições de vida. A partir de 1852, assistiu-se ao desenvolvimento das associações de socorros
mútuos, que se preocupavam com as dificuldades económicas dos operários e
prestavam ajuda aos familiares, em situações de doença, desemprego, invalidez
ou morte. Este associativismo, além de defender os interesses dos
trabalhadores, incluía uma componente cultural. O movimento operário procurava
aumentar a sua influência, fazendo propaganda, através de conferências,
jornais, revistas, panfletos e livros; no entanto, a classe burguesa, em,
Portugal, nunca se sentiu realmente ameaçada.
O desenvolvimento industrial coincidiu também com o aparecimento das
primeiras iniciativas na Educação de Adultos. Para os defensores das novas
ideias, a instrução devia ser para todos os cidadãos. Isto era muito difícil de
atingir num país de analfabetos (muito perto de 90% da população não sabia
ler nem escrever). A mão-de-obra infantil era muito utilizada na indústria,
o que prejudicava a escolarização. A taxa
de analfabetismo em 1864 estimava-se em 88% e em 1910 era ainda de 75%. No
jornal O Castellovidense pode
ler-se: Como paes nunca poderão formar
solidamente o espírito de seus filhos, sigam sempre a árdua, mas honrosa vereda
da verdade e como cidadãos nunca conhecerão os seus deveres e
responsabilidades. São os governos e o povo que abrem as portas ao
analphabetismo em Portugal. Parece impossível que na pátria de Camões, Garrett,
Herculano, Castillo e de tantos literattos, de nome insigne, haja 80 p. c. de analfabetos.
(19 de Abril de 1909)» In Filomena M. F. Sousa Bruno, As
Bibliotecas de Castelo de Vide e a Educação Popular (1863-1899), CM de Castelo
de Vide, Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-139-8.
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