sábado, 31 de maio de 2014

Guerreiros no 31. Geraldo Geraldes. “O Sem-Pavor”. «… a vigia muçulmana dormia, encostava as escadas à muralha e era o primeiro a subir ao castelo e, empolgando o vigia, dizia-lhe: “Grita como tens por costume de noite, que não há novidade”. E então os seus homens de armas subiam acima dos muros da cidade, davam na sua língua um grito imenso…»

Cortesia de wikipedia

O assalto a Beja
«(…) Ao abrigo da escuridão nocturna, os combatentes portugueses terão, pois, penetrado furtivamente no sistema defensivo da urbe, surpreendendo a guarnição local, que mal terá tido tempo para esboçar uma reacção. Em poucas horas a velha cidade convertia-se na mais meridional das praças-fortes dominadas por Afonso Henriques, o pérfido galego, senhor de Coimbra, o maldito de Deus, como lhe chama o cronista Ibn Sahib al-Sala, que relata este episódio. Porém, nos objectivos do rei, que certamente terá participado no planeamento da expedição, não estaria a submissão definitiva de um local tão afastado da fronteira. Dominá-lo sim, mas apenas de forma temporária, ou seja, enquanto pudesse ser usado como base de operações para as razias lançadas contra o território circundante. Com efeito, durante cerca de quatro meses, ou seja, ao longo do Inverno e das primeiras semanas da Primavera seguinte, os conquistadores permaneceram no local, utilizando-o como centro operacional para a devastação sistemática de toda a região. Porém, isolada e demasiado afastada das principais fortalezas dominadas pelos portugueses, seria apenas uma questão de tempo até que Beja voltasse a ser controlada pelos muçulmanos. Assim, logo que as condições meteorológicas o permitiram e sem que isso constituísse uma qualquer surpresa para os que haviam participado na expedição, a cidade é reduzida a ruínas e abandonada.
É precisamente em alguns dos textos que relatam a conquista de Beja que parecem surgir, ainda que apenas nas entrelinhas, as primeiras referências a Geraldo Geraldes. De facto, a descrição que o cronista Ibn Sahib al-Sala faz das tácticas usadas pel’O Sem-Pavor para conquistar boa parte das fortalezas que, mais tarde, conseguiu dominar antecede, quase que em jeito de introdução para o que se segue, a notícia relativa à tomada de Beja. É precisamente esta sequência narrativa que tem levado a maior parte dos estudiosos a aventar, ainda que com algumas reservas, a possibilidade de Geraldo ter participado nessa operação, conduzida, tudo o indica, de acordo com aquele que viria a tornar-se o seu modus operandi, o que parece reforçar ainda mais essa hipótese. Diz-nos aquele cronista que o pensamento constante de Geraldo era tomar por surpresa as cidades e os castelos só com a sua gente: ele tinha os muçulmanos da fronteira sob o terror das suas armas. Procedia assim: avançava sem ser apercebido na noite chuvosa, escura, tenebrosa e, insensível ao vento e à neve, ia contra as cidades inimigas. Para isso levava escadas de madeira de grande comprimento, de modo que com elas subisse acima das muralhas da cidade que procurava surpreender; e quando a vigia muçulmana dormia, encostava as escadas à muralha e era o primeiro a subir ao castelo e, empolgando o vigia, dizia-lhe: Grita como tens por costume de noite, que não há novidade. E então os seus homens de armas subiam acima dos muros da cidade, davam na sua língua um grito imenso e, execrando, penetravam na cidade, matavam quantos moradores encontravam, despojavam-nos, e levavam todos os cativos e presas que estavam nela.
Rápido, eficaz e sem que para isso fosse necessária a mobilização de grandes meios humanos ou logísticos. Claro está que este método não era um exclusivo de Geraldo, tendo sido já posto em prática noutras ocasiões, como, por exemplo, em 1147, contra Santarém. Nesse sentido, a circunstância de ter sido usado na conquista de Beja não é necessariamente uma prova da participação do caudilho na expedição de 1162. Ainda assim, as dúvidas e as incertezas persistem. Porém, é depois desta data que as fontes narrativas começam a fornecer-nos informações realmente seguras a respeito das suas acções armadas.

Os primeiros sucessos
E será de acordo com o método descrito por Ibn Sahib al-Sala que, ao comando do seu exército privado, O Sem-Pavor logrará apossar-se, num curto espaço de tempo, de um impressionante conjunto de fortalezas situadas a leste do eixo Évora-Beja e em torno de Badajoz, ao longo de ambas as margens do Guadiana. E inicia essa sequência de triunfos com o imponente castelo de Trujillo, conquistado no dia 15 de Abril de 1165 através de uma operação furtiva conduzida, como viria a tornar-se habitual, durante a noite. Todavia, se porventura o inimigo esperava que a ofensiva tivesse sequência naquela mesma região, rapidamente percebeu que estava errado, quando, em Setembro desse mesmo ano, foi surpreendido pela notícia do bem sucedido assalto a Évora, o segundo mais importante núcleo urbano da província muçulmana de Badajoz. O choque, entre os comandantes militares do al-Andalus, deve ter sido enorme». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT