sábado, 10 de maio de 2014

Pedro IV. Imperador e Rei. Experiências de um Príncipe. Luís Oliveira Ramos. «… os que ansiavam pelo fim da tutela britânica, olhando com simpatia a integração na esfera de influência de França, sucedeu uma notória e alargada fragmentação da opinião, no seio da qual emergiram cinco tendências principais»

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O Príncipe (1798-1822)
«(…) Como o regente João não alterasse em tempo útil, e de facto, a sua posição em relação à Inglaterra, depois de Napoleão, desde 1804 imperador dos Franceses, ter decretado o Bloqueio Continental, em fins de Outubro de 1807, surge o tratado de Fontainbleau, celebrado entre a França e a Espanha. Portugal e os seus domínios foram divididos entre as nações signatárias, decidindo-se a conquista do nosso país por um exército franco-espanhol que não tardou a marchar sob o comando do general Junot. Em matéria de partilhas, ao valido espanhol Manuel Godoy, príncipe da Paz, cabia o principado dos Algarves, que também compreendia o Alentejo; o Entre Douro e Minho, ou reino da Lusitânia Setentrional, ficava para o rei da Etrúria, e sobre a propriedade do restante território decidir-se-ia ulteriormente, enquanto ao monarca castelhano cabia o império das duas Américas (a espanhola e também a portuguesa). O regente dilatara por tempo indefinido a tomada de uma atitude clara e, à cautela, prepara antes a ida do príncipe Pedro para o Brasil, com o título de condestável do reino, a fim de resguardar a vigência da dinastia e a independência de Portugal. Em princípios de Outubro chegou a ser ultimada uma proclamação onde se anunciava aos Brasileiros tal evento, muito polémico, que preludiava a transferência da família real para o Rio, caso ocorresse, de facto, a invasão do território nacional.
Não obstante à última hora determinar a expulsão dos ingleses e o confisco dos seus bens em Portugal, o regente não deixou de negociar, em Londres, a transferência da corte para o Brasil, comboiado por naves de guerra do rei inglês. Tal facto tornou-se inevitável quando os franceses franquearam a raia portuguesa ao findar o mês de Novembro de 1807 e permitiu a entrada em Lisboa dos soldados invasores de Junot, movimento a partir do Tratado de Fontainbleau, na mesma altura em que a esquadra anglo-lusa começava a singrar no Atlântico, rumo ao Brasil, levando a bordo a família real portuguesa. E o embarque no cais de Lisboa determinou impressões indeléveis entre os que lá estiveram, a começar por Pedro, tal a precipitação do acto e a sua singularidade na história das monarquias europeias. Com a conquista de Portugal, Napoleão reforça o bloqueio continental e preserva a ocidente o dispositivo militar que estava a engastar na Península. Por sua vez, os exportadores gauleses estabelecidos no reino acalentam a esperança de tirar partido da situação, substituindo os seus rivais ingleses, enquanto os industriais da França contam com as vantagens decorrentes do controlo de uma área de entrada de artigos britânicos de contrabando destinados aos mercados da Espanha e de outros países. De par, supõe Albert Silbert, a lógica rigorosa de um sistema continental, que não é puramente económico, levara Napoleão a nele integrar um país na aparência tão fácil de conquistar. Além de que Portugal passaria a constituir um refém a utilizar em negociações, outrossim resultando da sua ocupação e perda pela Inglaterra de bases de abastecimento e de conservação que facilitavam grandemente as manobras da sua frota. E é de admitir, com bom fundamento, que a atracção das riquezas coloniais portuguesas tenha seduzido o imperador, bem como a esperança de conquistar a armada lusitana, que de utilidade seria nos confrontos navais com a Inglaterra.
Após o estabelecimento dos franceses no país, à conhecida divisão dos círculos dirigentes de Portugal entre os fiéis a Inglaterra e os que ansiavam pelo fim da tutela britânica, olhando com simpatia a integração na esfera de influência de França, sucedeu uma notória e alargada fragmentação da opinião, no seio da qual emergiram cinco tendências principais. À primeira pertenciam os defensores encomiásticos da mudança da corte para o Brasil, pois impedia os franceses de melhorarem o seu poderio naval e de alcançarem o direito ao controlo das colónias portuguesas. Compunham a segunda os críticos da incapacidade manifestada pelo governo na procura de uma solução para a crise que a previsível incidência da Revolução Francesa em Portugal com certeza desencadearia. Na terceira, agrupavam-se os que na fuga para o Rio divisavam uma manobra da Inglaterra, lesiva dos interesses ultramarinos do País, cuja riqueza ela desejava sugar directamente. Figuravam na quarta tendência os adeptos míopes da teoria segundo a qual a invasão resultava de maquinações de um estadista pró-francês que se deixara subornar por Paris. Enfim, congregavam-se na quinta facção os que, notando as insuficiências da situação, descriam da capacidade executiva do príncipe regente, sonhando com a regeneração governativa ou com a criação de um Estado constitucional, a emergir de um processo de purgação colectiva». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro, Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-27-1428-0.

Cortesia de INCM/JDACT