«Sob
o liberalismo instaurado na Península em 1820,
abriam-se novas perspectivas ao relacionamento luso-espanhol. O contencioso, suscitado pela questão de
Olivença e agravado com a ocupação militar portuguesas de Montevideu,
permanecia em aberto. Baldados tinham sido os esforços para o debelar. De parte
a parte as posições haviam quedado irredutíveis. A viragem política operada
colocava agora os dois países em posições muito afins. À convergência ideológica
vinham somar-se iguais dificuldades internas e o crescente isolamento perante
uma Europa dominada pela Santa Aliança. Conjunturalmente tudo favorecia a
aproximação bilateral. Assim aconteceu de facto, embora com resultados muito
aquém das expectativas. Desde Novembro encontrava-se em Madrid Manuel C.
Pereira Mesquita, como agente do Governo constitucional português. Embora
sem credenciais durante meses, nem por isso se manterá inactivo. Em Abril de 1821, por iniciativa espanhola
apresentada em Lisboa, fora proposto um Tratado para a defesa da Península.
Acolhido o projecto com simpatia, transitara para Madrid, onde aguardaria a formação
do novo Gabinete.
A
escolha do titular da Secretaria de Estado recaíra em Bardaxi y Azara, então
Ministro junto à corte francesa. Liberal indefectível, ainda em Paris foi
contactado por Solano Constâncio, ali a desempenhar funções de agente
diplomático. Dos dois contactos realizados informou Constâncio para Madrid,
sublinhando a grande receptividade encontrada. Já em Maio, alguns dias decorridos
sobre a tomada de posse, terá lugar a primeira entrevista com Pereira
Mesquita. Confirmando a sua melhor disposição, Azara não ocultará o
interesse pessoal que colocava no assunto. Haveria, no entanto, que proceder-se
à recolha dos elementos indispensáveis. Assim, além dos aspectos relativos às
demarcações territoriais, auxílios militares etc., impunha-se uma aturada análise
das potencialidades comerciais. Ora, tudo isto levaria o seu tempo. Por outro
lado, aguardando-se para breve o regresso do monarca João VI, era de prever que
o monarca procederia a alterações no Governo que importava conhecer.
Com
efeito, logo após a chegada da Família Real, assume novo Ministério. A pasta
dos Negócios Estrangeiros, depois de uma breve interinidade do conde de
Barbacena, será confiada a Silvestre Pinheiro Ferreira. Figura
proeminente nos meios liberais e dado como afecto à influência inglesa, só em
Outubro dinamizará o processo entretanto suspenso. Vários despachos são
expedidos, entre os quais o que finalmente remete a acreditação de Pereira
Mesquita como Encarregado de Negócios. Retomam-se portanto as conversações,
segundo a orientação de Lisboa, que tende a privilegiar a vertente comercial do projecto.
Para Pinheiro Ferreira a inquietação dos
povos tinha como principal motivo a ausência de comércio, que não dava pronta
saída às produções de agricultura e da indústria. Facilitar o intercâmbio económico
oferecia-se assim como a única alternativa para atenuar os efeitos das motivações que tomavam as coisas no ultramar.
A despeito da delonga, não se levantaram reservas por parte do Ministério
espanhol. Compartilhando o ponto de vista, desde logo se formalizou o pedido
para se acordar a livre navegação do rio Douro até ao Porto. As condições de
utilização comum daquela via fluvial, constituiriam, por certo, o aspecto mais aliciante
para os negociadores de Madrid.
Embora
animado pela convergência de objectivos, Pereira Mesquita antevia dificuldades,
enquanto pairassem sem solução as questões de fundo. Lembra por isso a Lisboa a
imprescindibilidade de se encontrar uma plataforma de entendimentos para os
diferendos de Olivença e Montevideu. Sobretudo este último, subsistia como
factor muito sensível entre o círculo governativo de Madrid. Neste meio tempo,
adensara-se o já complexo torvelinho da política interna espanhola. O Gabinete,
em que participava Azara, demitira-se. Só a 28 de Fevereiro seguinte se
nomeia novo elenco, do qual fará parte Francisco Martínez de La Rosa na
pasta dos Estrangeiros. A primeira entrevista com o Representante português decorreu cordialmente. Declarando-se
favorável às negociações em curso, o Ministro espanhol considerou fundamental
estabelecer em bases mais concretas as estipulações a discutir». In Fernando Castro Brandão, A Diplomacia Liberal em
Espanha através da Correspondência dos Representantes Portugueses, 1821-1823,
separata de A Diplomacia na História de Portugal, Academia Portuguesa da
História, Lisboa, 1991.
Cortesia
de APdaHistória/JDACT