sexta-feira, 18 de julho de 2014

A Diplomacia Liberal em Espanha através da Correspondência dos Representantes Portugueses. 1821-1823. Fernando Brandão. «… a inquietação dos povos tinha como principal motivo a ausência de comércio, que não dava pronta saída às produções de agricultura e da indústria. Facilitar o intercâmbio económico…»

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«Sob o liberalismo instaurado na Península em 1820, abriam-se novas perspectivas ao relacionamento luso-espanhol. O contencioso, suscitado pela questão de Olivença e agravado com a ocupação militar portuguesas de Montevideu, permanecia em aberto. Baldados tinham sido os esforços para o debelar. De parte a parte as posições haviam quedado irredutíveis. A viragem política operada colocava agora os dois países em posições muito afins. À convergência ideológica vinham somar-se iguais dificuldades internas e o crescente isolamento perante uma Europa dominada pela Santa Aliança. Conjunturalmente tudo favorecia a aproximação bilateral. Assim aconteceu de facto, embora com resultados muito aquém das expectativas. Desde Novembro encontrava-se em Madrid Manuel C. Pereira Mesquita, como agente do Governo constitucional português. Embora sem credenciais durante meses, nem por isso se manterá inactivo. Em Abril de 1821, por iniciativa espanhola apresentada em Lisboa, fora proposto um Tratado para a defesa da Península. Acolhido o projecto com simpatia, transitara para Madrid, onde aguardaria a formação do novo Gabinete.
A escolha do titular da Secretaria de Estado recaíra em Bardaxi y Azara, então Ministro junto à corte francesa. Liberal indefectível, ainda em Paris foi contactado por Solano Constâncio, ali a desempenhar funções de agente diplomático. Dos dois contactos realizados informou Constâncio para Madrid, sublinhando a grande receptividade encontrada. Já em Maio, alguns dias decorridos sobre a tomada de posse, terá lugar a primeira entrevista com Pereira Mesquita. Confirmando a sua melhor disposição, Azara não ocultará o interesse pessoal que colocava no assunto. Haveria, no entanto, que proceder-se à recolha dos elementos indispensáveis. Assim, além dos aspectos relativos às demarcações territoriais, auxílios militares etc., impunha-se uma aturada análise das potencialidades comerciais. Ora, tudo isto levaria o seu tempo. Por outro lado, aguardando-se para breve o regresso do monarca João VI, era de prever que o monarca procederia a alterações no Governo que importava conhecer.
Com efeito, logo após a chegada da Família Real, assume novo Ministério. A pasta dos Negócios Estrangeiros, depois de uma breve interinidade do conde de Barbacena, será confiada a Silvestre Pinheiro Ferreira. Figura proeminente nos meios liberais e dado como afecto à influência inglesa, só em Outubro dinamizará o processo entretanto suspenso. Vários despachos são expedidos, entre os quais o que finalmente remete a acreditação de Pereira Mesquita como Encarregado de Negócios. Retomam-se portanto as conversações, segundo a orientação de Lisboa, que tende a  privilegiar a vertente comercial do projecto. Para Pinheiro Ferreira a inquietação dos povos tinha como principal motivo a ausência de comércio, que não dava pronta saída às produções de agricultura e da indústria. Facilitar o intercâmbio económico oferecia-se assim como a única alternativa para atenuar os efeitos das motivações que tomavam as coisas no ultramar. A despeito da delonga, não se levantaram reservas por parte do Ministério espanhol. Compartilhando o ponto de vista, desde logo se formalizou o pedido para se acordar a livre navegação do rio Douro até ao Porto. As condições de utilização comum daquela via fluvial, constituiriam, por certo, o aspecto mais aliciante para os negociadores de Madrid.
Embora animado pela convergência de objectivos, Pereira Mesquita antevia dificuldades, enquanto pairassem sem solução as questões de fundo. Lembra por isso a Lisboa a imprescindibilidade de se encontrar uma plataforma de entendimentos para os diferendos de Olivença e Montevideu. Sobretudo este último, subsistia como factor muito sensível entre o círculo governativo de Madrid. Neste meio tempo, adensara-se o já complexo torvelinho da política interna espanhola. O Gabinete, em que participava Azara, demitira-se. Só a 28 de Fevereiro seguinte se nomeia novo elenco, do qual fará parte Francisco Martínez de La Rosa na pasta dos Estrangeiros. A primeira entrevista com o Representante português decorreu cordialmente. Declarando-se favorável às negociações em curso, o Ministro espanhol considerou fundamental estabelecer em bases mais concretas as estipulações a discutir». In Fernando  Castro Brandão, A Diplomacia Liberal em Espanha através da Correspondência dos Representantes Portugueses, 1821-1823, separata de A Diplomacia na História de Portugal, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1991.

Cortesia de APdaHistória/JDACT