Resumo
«Esta
tese analisa dois dos mais recentes romances de Nadine Gordimer, Ninguem
para me acompanhar (1994) e O engate
(2001), que pertencem à categoria de literatura
sul-africana pós-apartheid. Apesar de ambos fazerem parte da ficção
sul-africana, a abordagem analítica usada na tese expande o seu alcance a fim
de enxergá-los como literatura transnacional, particularmente no caso de O
engate. O estudo de Ninguem
para me acompanhar segue em duas direcções principais. Em primeiro lugar, o objectivo
e compreender alguns temas e técnicas narrativas selecionados por Nadine
Gordimer a fim de ficcionalizar o período de transição, entre 1990
e 1994, em que uma nova elite negra, que havia retornado do exílio
recentemente ou sido libertada da prisão, passou a ocupar os principais cargos
políticos do país. Em segundo lugar, o foco do estudo volta-se para a presença
de elementos autobiográficos na narrativa, numa tentativa de explicar a decisão
tomada por Gordimer de recorrer a autoficção, uma vez que ela é
conhecida por ter recusado diversas propostas para escrever as suas memórias ou
a sua autobiografia. Simultaneamente, é possível discutir o pensamento abstrato
de Gordimer em relação aos temas da lei e da verdade. A análise de O
engate é também dividida em duas partes. A primeira delas se situa na África
do Sul e narra o envolvimento sexual de uma jovem branca e rica e um imigrante
ilegal vindo de um pais muçulmano não identificado. Isto dá acesso ao
posicionamento de Nadine Gordimer em torno da chamada nova África do Sul
e suas novas formas de segregação. A segunda metade do romance se situa na vila
às margens do deserto onde o imigrante e a jovem vão viver temporariamente com
a família do rapaz. O foco da analise recai sobre a visão critica de Nadine
Gordimer no tocante à exploração da força de trabalho do migrante nas
grandes cidades ocidentais. Paralelamente, a autora convida a considerar formas
alternativas de viver e partilhar experiências transnacionais no século XXI».
Aquele precário reino do
exilio
«Os
diversos matizes de deslocamento espacial já se tornaram lugar-comum no campo dos
estudos literários. No entanto, como toda aproximação interdisciplinar, os
pontos de contacto entre a literatura e a migração exigem cuidados metodológicos
e bibliográficos que minimizem o emprego inconsistente de conceitos e
terminologias. Tradicionalmente, os movimentos humanos têm sido tratados pelos
especialistas em disciplinas como a geografia e a história e, mais
recentemente, por antropólogos, sociólogos e psicanalistas. O número de periódicos
especializados é significativo. Além disto, a própria facilidade de
deslocamento ocasionada pelos desenvolvimentos tecnológicos, bem como os
eventos devastadores do último século e princípio do actual, conduziram a um
forte recrudescimento das chamadas ondas de migração. No esforço de
sistematizar o estudo dos movimentos humanos, os especialistas viram-se diante
de um quadro marcado pela diversidade, seja em relação às causas do
deslocamento, seja em relação às expectativas e projectos criados, no exterior,
pelos sujeitos deslocados. Desta maneira, termos como migração
e exílio precisaram ser
bem definidos, o que redundou na elaboração de uma nomenclatura mais complexa
em que conceitos como expatriação, diáspora e nomadismo adquiriram importância. Além disto, a apropriação destes estudos
por disciplinas relacionadas às artes e à filosofia criou uma nomenclatura complementar,
desta vez mais metafórica, que trouxe à cena conceitos como deriva, migrância, errância, deslizamento,
etc. Em contrapartida, o estudo sistemático dos movimentos humanos revelou a
necessidade de se pensar acerca de seu contrário: a permanência. A partir daí, surgiram profundas reflexões em torno do lar, da casa, da família, da nação, sempre numa relação contrapontística
com tudo aquilo que interfere na sua estabilidade. Tal quadro, multifário e
multidisciplinar, exige um trabalho preliminar em que os campos conceituais se
delimitem minimamente, a fim de que o estudo da literatura vis-a-vis o deslocamento
espacial não se perca em inconsistências. Na tentativa de reduzir os efeitos do
uso indiscriminado de termos relacionados aos movimentos humanos, Darko Suvin
(2005) estabeleceu alguns pré-requisitos para que ao menos quatro destes
conceitos fossem devidamente diferenciados. Através de duas tabelas bastante
simples, o autor procura distinguir os exilados, os expatriados, os refugiados e os emigrados.
De acordo com Suvin, a primeira
categoria de distinção é regida pelo aspecto quantitativo do deslocamento. A
segunda categoria diz respeito as causas da partida, e, finalmente, o terceiro critério
aponta para a possibilidade e/ou desejo de retorno ao país de origem. A partir
dai, Suvin estabelece que o exilado
é aquele que deixa sua terra
individualmente, por razões políticas, e raramente retorna a seu país de
origem. Já o refugiado
se diferencia do exilado pelo carácter
colectivo da sua partida, que também tem razões políticas e normalmente não prevê
o retorno. À semelhança do exilado, o expatriado parte
individualmente, embora o faça por razões ideológicas e económicas e tenha a
liberdade de retornar ao seu pais de origem sempre que deseje ou quando tenha
adquirido as condições materiais para tanto. Por fim, os emigrados diferem da
categoria anterior pela partida em grandes grupos, causada normalmente por razões
económicas e envolvendo uma possibilidade apenas remota de retorno». In Anderson
Bastos Martins, Onde Fica o Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid
de Nadine Gordimer, Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras,
Brasil, 2010.
Cortesia
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