Copilacam de Todalas Obras de Gil Vicente
«(…) O segundo documento é o Prologo
deregido ao muyto alto & poderoso Rey nosso Senhor dom Sebastiam o primeyro
do nome, per Luis vicente, de que extraímos este passo significativo: ... por serem cousas algumas dellas feytas por
seruiço de Deos, e todas em seruiço de vossos avoos, e de que elles muyto
gostarão era razam que se empremissem. E porque sey que ja agora nessa tenrra
ydade de V. A. gosta muyto dellas, e as lee e folga douuir representadas, tomey
a minhas costas o trabalho de as apurar e fazer empremir sem outro interesse
senam seruir V. A. com lhas deregir, e comprir com esta obrigaçam de filho. E
porque sua tençam era que se empremissem suas obras, escreueo per sua mão e
ajuntou em hum liuro muyto grande parte dellas, e ajuntara todas se a morte o
nam consumira. A este liuro ajuntey as mais obras que faltauam e de que pude
ter noticia. E porque o prologo que a diante vay deregido a elRey vosso auo,
que aja gloria, nam ouue effeyto. Esse, com o liuro todo offereço a V. A. ...
Eis as circunstâncias em que foi impressa a Copilacam quando já
corriam, impressos pelo miúdo, autos
de Gil Vicente, de que chegaram até nós alguns exemplares, nas chamadas folhas volantes, em número reduzido
(citam-se comummente 4). Mas a Copilacam, de 1561-1562, é o texto
fundamental para o conhecimento da obra de Gil Vicente, já que a Copilacam,
de 1586, embora importante, é um
texto terrivelmente mutilado.
O exemplar da Copilacam da Livraria do Convento
de Mafra, hoje à disposição dos estudiosos, é o único exemplar que vimos
censurado. Mas censurado com que
critério? O ano de 1536, a
que se atribui a representação, em Évora, da comédia chamada Floresta
de Engano, a derradeyra que fez
Gil Vicente em seus dias, é também o da introdução da Inquisição (maldita) em Portugal. Em que medida vai o Tribunal exercer a sua intervenção na obra vicentina,
que toda ela circulou? Se é sempre de lamentar a perda de uma obra, ou
de parte dela, de um autor genial como Gil Vicente (e, neste caso,
lamentamos que, até hoje, se não conheça exemplar desses três autos proibidos: Jubileu
de Amores, Aderência do Paço e Vida do Paço), havemos de convir em
que a sua obra, no conjunto, felizmente nos foi poupada. E até naqueles autos
em que os índices eram peremptórios. Folheemo-los:
- Este he o rol dos liuros defesos por o cardeal Iffante / Inquisidor geral nestes Reynos de Portugal. Anno de 1551: (Dos proíbidos em linguajem). O auto de dom Duardos que nom tiuer censura como foy emendado (incluído na Copílacam);
- O auto de Lusitania com os diabos / sem elles poderse ha emprimir (saiu na Copilacam com as falas de Dinato e Berzabu);
- O auto de Pedreanes / por causa das matinas (está na Copilacam, com as matinas);
- O auto do Jubileu damores (não se conhecem exemplares);
- O auto da aderencia do paço (não se conhecem exemplares);
- O auto da vida do paço (não se conhecem exemplares);
- O auto dos phisicos (vem na Copilacam).
Rol dos Líuros defesos nestes Reinos & Senhorios de Portugal que o
Senhor cardeal Iffante Inquisidor geral mandou fazer. Lisboa, 1561. Gil Vicente suas obras
correrão da maneira que neste anno de 1561,
se Imprimen & nas Impressas ate este anno, guardarse a ho regimento do rol
passado.
Catalogo dos Livros que se prohibem nestes Regnos & Senhorios de
Portugal… (Lisboa, 1581). Das obras de Gil Vicente, que andão juntas em hum
corpo, se ha de riscar o prologo, até que se proueja na emmenda dos seus autos,
que tem necessidade de muita censura, & reformação.
E, quanto a censura a Gil Vicente no século XVI, é tudo. Neste caso,
não se pode dizer que a Inquisição (maldita)
tenha mutilado irremediavelmente a obra vicentina». In Justino Mendes de Almeida,
Estudos de História da Cultura Portuguesa, Academia Portuguesa da História,
Universidade Autónoma de Lisboa, O Pernix Lysis, Lisboa, 1996.
Cortesia da Academia P. de História/JDACT