«Quando
um saber está maduro para se tornar ciência, precisa necessariamente surgir uma
crise; pois torna-se evidente a diferença entre aqueles que cindem o singular e
o apresentam cindido e aqueles que têm o universal em vista e gostariam muito
de juntar e incluir nele o particular». In
Goethe
Experiência versus Experimentum. Hegel e a
superação da concepção moderna de experiência
O conceito
de experiência, assim como o próprio conceito de ciência, merece
na filosofia hegeliana um esclarecimento, pois a primeira difere do modus
operandi das ciências experimentais modernas que põem toda ênfase na
repetição e na continuidade previsível e calculada. A filosofia como ciência,
não tendo o mesmo procedimento das ciências naturais que possuem a matemática
como base metodológica, mas procedendo especulativamente, pretende ser a
ciência da totalidade, que tem por objecto o Absoluto no seu
desdobramento. Essa ciência necessita ser um sistema, pois só sistematicamente
é possível essa exposição da verdade em e para si. Nessa totalidade, a
filosofia necessitaria de uma mediação, a experiência seria essa mediação na
consciência entre o conceito e seu objecto. No entanto, até que ponto essa
experiência hegeliana se diferencia da posição epistemológica moderna. Expondo
a constituição da experiência moderna e sua relação com a transformação do
conceito de Natureza, acentuando a passagem da visão cosmológica antiga,
que tinha por objecto uma racionalidade objectiva e ordenadora do mundo,
segundo a qual o homem seria um ser contemplativo desta ordem, para a concepção
moderna, na qual a realidade é juntar a subjectividade e objectividade, entre
homem e natureza. Deste modo, busca-se aqui caracterizar a passagem da
experiência qualitativa da natureza para a quantitativa: ver-se-á, por
conseguinte, que esta assim denominada experiência moderna seria, assim muito
mais, um experimentum, ou seja, uma experiência dominada quantitativamente.
No primeiro momento deste capítulo, oferece-se uma tematização do
desenvolvimento do método das ciências modernas. Para a filosofia moderna, é
preciso aferir a validade e justificar a aquisição do conhecimento,
constituindo-se, com isso, numa teoria sobre tal aquisição, denominada
propriamente de teoria do conhecimento. Como ressalta Hegel,
a teoria do conhecimento manifesta uma influência dos métodos das ciências
experimentais e da matemática sobre a filosofia, a qual passa a basear-se na actividade
representativa do entendimento, juntando assim a objectividade e a subjectividade.
A filosofia que se desenvolveu na modernidade lança mão de um conhecimento que
permanece no pórtico do templo do saber, recusando-se a adentrar
o próprio templo, sendo esta uma tarefa delegada às ciências particulares, formando
um conhecimento sobre o conhecer, antes de um conhecimento efectivo. A
consequência última desse processo consiste numa instrumentalização do
conhecimento.
Com
base no conceito moderno de experiência (experimentum) e na
elaboração da teoria do conhecimento, Hegel desenvolve a sua crítica à filosofia e à
ciência moderna, crítica na qual afirma que, diversamente ao que o pensamento
moderno estabeleceu para si como programa, as determinações do saber não podem
ser externas ao objecto, como instrumentos ou meios para a sua apreensão, mas antes são as
reflexões objectivas
da coisa mesma. Essas
reflexões desenvolvem-se pela apresentação,
segundo a qual a subjectividade penetra
a objectividade, e
vice-versa, como resultado do movimento de formação do espírito. Em Hegel,
a crítica da teoria do conhecimento dá-se no movimento do próprio conhecer, movimento este
que se constitui numa autocrítica
deste conhecer e cujo lugar é a dialéctica mesma da apresentação.
Noutras palavras, a exposição da coisa
mesma é a própria crítica do conhecimento, sendo prescindível uma anterior
teoria do conhecimento. A apresentação supera, assim, a representação que cinde
em seu interior forma e conteúdo, sujeito e objecto. Tal posição fragmentária é a do entendimento,
que é superado na razão. Deste modo, mostra-se a importância metodológica da concepção
de experiência que Hegel articula como alternativa para aquela concepção
moderna e que deve servir de fio condutor para a apresentação especulativa da formação do espírito». In Alexandre Moura Barbosa, Ciência
e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel, Editora
Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-85-7430-970-5.
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