Progressos da economia monetária
«(…) As feiras tiveram importante papel económico e social. Ali se trocava
a produção da terra por dinheiro, tornando possível a compra do que a terra não
produzia. A enumeração dos produtos que deviam pagar tributo, feita nas aras de
feira ou nos foros da terra, dá uma boa ideia do que era então a actividade
comercial. Os foros de Beja, por exemplo, indicam os gados de várias
espécies (cavalos, muares, burros, bovinos, carneiros, porcos); animais
utilizados na caça: açores e falcões para a altanaria, furões
para as batidas aos coelhos; galinhas, patos, perdizes; cabedais curtidos e
por curtir, brancos e tingidos de vermelho; peles de coelho e de
outras espécies; peixe seco e salgado e marisco, especificando-se o caranguejo
e a amêijoa; produtos hortícolas: feijões, alhos, cebolas, hortaliças;
frutas de árvore, passas, castanhas, nozes, bolotas, pevides de cabaça e
outras sementes; azeite, vinho, mel, cera, sal, pimenta, grão, cominhos;
produtos artesanais e materiais de construção: madeira, telha, greda, pez,
ferroem bruto e em barra ferramentas agrícolas, chocalhos para os rebanhos,
esporas e freios, fechaduras; a besta com todos os seus aprestos: unto,
esparto para fazer as cordas, erva de besteiro; alguns utensílios: peneiras, joeiras,
uchas (grandes arcázes em que se guardava o cereal), taleigas, alforges;
lã e linho, panos de bragal e de cor, vestuário já feito, calçado.
Os mercadores da cidade percorriam as feiras do interior para ali
venderem a fazenda que importavam e adquirirem os stocks das mercadorias que
exportavam. Desde os inícios do século XII que a técnica da construção naval
regista progressos: velame com área maior, um leme fixo que permite governar o
barco a uma maior velocidade, o aumento da tonelagem, que possibilita carregar quantidades
de mercadorias cada vez maiores. A palavra caravela aparece escrita pela
primeira vez no foral de Vila Nova de Gaia, de 1255. Muitos indícios revelam a intensificação do comércio por mar.
No ano de 1226, mais de cem
mareantes portugueses obtiveram do rei da Inglaterra salvo-conduto contra os
ataques dos corsários. Em 1293, o
rei Dinis confirmou (não instituiu) a bolsa marítima, que era uma
organização de capitais provenientes do comércio e formada por uma percentagem
sobre os lucros, que servia para custear os prejuízos dos sinistros marítimos. Durante
todo o século XIV cresce nos nossos portos o movimento comercial e é por essa
altura que Lisboa se transforma numa grande cidade mercantil, que supera todos
os outros centros urbanos e assume a posição de capital.
A intensificação das relações comerciais traduz-se no crescente aumento
e pressão dos mercadores da cidade sobre os dos campos para reunirem maiores
quantidades de géneros destinados à exportação. As produções exportáveis, que
são fundamentalmente o vinho e o azeite, tendem a desenvolver-se em detrimento das
que são absorvidas pelo consumo interno. É às culturas, não às velhas, que vão
sendo entregues os solos arroteados de novo; há mesmo terras que já tinham sido
searas e agora caem em mortório ou são convertidas em olivais e em vinha. O
défice do pão acentua-se constantemente até ao início da era dos
descobrimentos. O produto da terra, sob a punção do mercador, tende a perder o
carácter de simples meio de sobrevivência para assumir um valor novo: o de
instrumento de comércio. Não se destinam a alimentar, mas a dar lucro. A
questão do preço torna-se, um factor muito importante na produção». In
José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações Europa América,
1995.
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