domingo, 27 de julho de 2014

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «… ficar sob a tutela do referido servidor e da sua esposa, em casa e na companhia da sereníssima Rainha, nossa muito cara e muito amada mulher (...) até que ela tenha idade para ser dada em matrimónio segundo o seu estado»

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Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) Pertencente a uma linhagem da média-nobreza portuguesa que servira na corte desde o reinado do avô de Joana, Vasco estava casado com Filipa Vasconcelos, filha do nobre de antiga linhagem Gonçalo Mendes Vasconcelos, o qual tinha aceitado esse enlace só depois de a rainha D. Leonor se ter comprometido a pagar um importante dote. Nove dias após ter escrito aquela carta, o rei aragonês enviou uma circular aos infantes Pedro e Henrique de Portugal, ao duque de Bragança e aos conselheiros de Afonso V. Nessa carta explicava que, antes de morrer, a sua irmã lhe enviara Vasco para cumprir o referido encargo. Na realidade, como a rainha não pudera continuar a manter todos os seus servidores em Toledo, Gouveia fora nomeado monteiro-mor de Aragão a pedido da mesma. Segundo a reclamação do rei aragonês, a infanta devia ser levada para Valência para ficar sob a tutela do referido servidor e da sua esposa, em casa e na companhia da sereníssima Rainha, nossa muito cara e muito amada mulher (...) até que ela tenha idade para ser dada em matrimónio segundo o seu estado.
A partir de então, iniciar-se-ia um intercâmbio epistolar triangular, entre os reinos de Aragão, Portugal e Castela, do qual só sobreviveram as cópias das cartas aragonesas. Esta documentação mostra como pouco depois de fazer seis anos, a infanta Joana de Portugal se transformara numa peça disputada pelos três reinos, cada qual com um propósito diferente para ela. E tudo isso apesar de a chancelaria aragonesa, e talvez a portuguesa, não saberem exactamente por onde andava a criança depois da morte da sua mãe. No mesmo dia em que escreveu aos portugueses, o Magnânimo enviou uma carta ao seu embaixador em Castela ordenando-lhe que, se a infanta ainda se encontrasse nesse reino, aquele se encarregasse dela, a levasse para Valência e a entregasse à rainha Maria. No caso de ter regressado a Portugal, devia pôr-se em contacto com os antigos servidores da rainha D. Leonor, que a teriam acompanhado até aí, para que eles procedessem do mesmo modo.
Alfonso V de Aragão também intimava o seu embaixador a que, quando encontrasse Joana, lhe entregasse os quinhentos florins das rendas do domínio de Alcolea de Cinca, propriedade da sua mãe, para aliviar a extrema necessidade de que padecia. E que, no caso de a infanta precisar de mais dinheiro, escrevesse à sua esposa, a rainha D. Maria de Aragão, para que ela procedesse como devido, com o seu poder e faculdade. Por último, o Magnânimo ordenava a esse servidor na corte castelhana que, se Joana já tivesse deixado Castela e se encontrasse no seu reino de origem, no caso de o rei de Portugal autorizar a dita infanta a viver no reino de Aragão intercedesse perante o português para que desse azo a que a infanta seja nos seus reinos bem tratada (...) e quando queira sair dos seus reinos a deixe livremente partir e sair e ir para Aragão. Estas cartas demonstravam não só o grande interesse do monarca aragonês em cumprir o desejo da irmã como também a vontade de dispor de uma infanta casadoura, sem qualquer mancha de ilegitimidade, ao contrário dos seus próprios filhos, nascidos fora do matrimónio ainda que rapidamente legitimados pelo papa.
Nessa altura, as tropas pedidas a Portugal por Álvaro de Luna, com as quais pensava fazer frente aos infantes de Aragão, já tinham partido de Coimbra rumo a Castela. No entanto, o seu número era muito maior do que o combinado de antemão e, portanto, maior seria o soldo a entregar-lhes. Dois mil homens a cavalo e quatro mil a pé, segundo crónicas portuguesas. O jovem condestável Pedro de Portugal ia à frente de um exército capitaneado, entre outros nobres, por membros das linhagens de Castro, Almeida, Meneses e Soares de Albergaria, cujas filhas, sobrinhas e netas acabariam por fazer parte das casas da futura rainha D. Joana em Castela e da sua filha, a Excelente Senhora, em Portugal». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da E. dosLivros/JDACT