sexta-feira, 18 de julho de 2014

Um Retrato Italiano de Portugal no Século XVI. Carmen Radulet. «… não se trata de um diário, de uma memória ou de um itinerário, mas sim de um tratado que tem por objectivo facultar ao leitor o retrato de um determinado país. A intenção é, de oferecer um retrato completo, nos aspectos positivos e negativos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Em 1984 Oliveira Marques publicou na revista Nova História Século XVI um texto até aquele momento inédito que apresentou com o título: Uma descrição de Portugal em 1578-80. Na breve introdução, o investigador vincava o facto que se tratava de um códice anónimo, encontrado em Hannover, cujo título, na versão original, e Ritratto et Riverso del Regno di Portogallo. No que diz respeito à datação, o investigador afirmava que o manuscrito, devido às características da grafia, datava dos inícios do século XVII se bem que a elaboração do texto deveria ser colocada em 1578-1580, depois de morte do monarca Sebastião I, mas ainda na época do cardeal Henrique, considerado pelo autor como rei, muito bom e muito santo. Com base numa série de elementos internos, Oliveira Marques chegava também à conclusão que o italiano devia ser um clérigo ou um homem ligado à Igreja, que nunca critica, exaltando a Inquisição (maldita), odiando os Judeus, etc. Pode tratar-se de um súbdito dos Estados Papais, pelas alusões respeitosas que faz ao Sumo Pontífice e seus decretos. Além disso punha em evidência o facto que a língua utilizada era o florentim, elemento capaz de oferecer indicações úteis para estabelecer a sua pátria de origem, dentro da Itália. Este conjunto de considerações induziu o investigador a levantar a hipótese que o autor devia ser, com toda a probabilidade membro de uma das muitas embaixadas e outras missões enviadas pelos diversos Estados italianos a Portugal durante o século XVI.
Como veremos, a análise do texto revela que o autor conhecia profundamente a realidade portuguesa, a vida quotidiana, a organização política, administrativa e religiosa do Reino, facto que deveria excluir uma frequentação exterior e limitada como, com toda a probabilidade, era aquela de um membro de uma embaixada. Além disso, se o autor dedica um espaço bastante amplo à problemática religiosa e se a sua atitude não é abertamente crítica perante as instituições eclesiásticas, não significa forçosamente que se trate de um religioso. Com efeito, durante o século XVI era perfeitamente natural para qualquer cristão conhecer os mecanismos da religião e ter consideração pela igreja e pelo papa. Por outro lado, revela-se mais difícil explicar que um religioso se mostre tão interessado nos aspectos técnicos da organização administrativa e jurídica, pela vida material, pelo viver quotidiano, pela maneira de vestir, pelos hábitos das diferentes camadas sociais, etc.
Graças a uma feliz coincidência, na Biblioteca Nacional de Florença existe uma outra versão da mesma obra, também anónima que, com base na grafia, pode ser considerada como uma cópia quinhentista. Este manuscrito aparece praticamente idêntico na grafia com uma carta autógrafa do engenheiro militar Baccio Filicaia. Como muitos outros arquitectos ou engenheiros militares italianos, Baccio Filicaia, originário da região de Florença, começou a trabalhar em Portugal e sucessivamente transferiu-se para o Brasil onde viveu onze anos. Uma personagem deste tipo, directamente envolvida na vida social portuguesa tinha a possibilidade de chegar a uma compreensão profunda do país que o hospedava, portanto, apesar das muitas dúvidas que ainda persistem acerca da identificação do autor do Ritratto et Riverso del Regno di Portogallo, consideramos mais provável a atribuição desta obra a um engenheiro militar florentino como Baccio Filicaia ou a um outro conacional radicado em Portugal, do que a um eclesiástico membro de uma das numerosas embaixadas italianas que naquela época foram enviadas a Portugal.
O facto de a questão da autoria ficar por enquanto em aberto não anula minimamente a importância desta obra, mas para uma melhor compreensão do seu significado global, vale a pena avaliar o género, a estrutura do texto e os campos de interesse preferenciais. O título Ritratto et Riverso oferece uma primeira indicação relativamente ao género escolhido pelo autor: não se trata de um diário, de uma memória ou de um itinerário, mas sim de um tratado que tem por objectivo facultar ao leitor o retrato de um determinado país. A intenção é, ao mesmo tempo, aquela de oferecer um retrato completo, nos aspectos positivos e negativos e, consequentemente, o texto é estruturado em duas partes, diferentes no que diz respeito simultaneamente às suas características e extensão». In Carmen Radulet, Um Retrato Italiano de Portugal no Século XVI, a Joaquim Veríssimo Serrão os Amigos, Fraternidade e Abnegação, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1999, ISBN 972-624-126-X.

Cortesia da APdaHistória/JDACT