terça-feira, 29 de julho de 2014

Onde Fica o Meu País? O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer. Anderson Martins. «Em certo sentido, a dificuldade de se traçarem fronteiras exactas entre o exilio e a diáspora e compensada pela possibilidade de se pensar que esta última pode trazer a experiência do exílio uma leveza…»

Cortesia de wikipedia

Aquele precário reino do exilio
«(…) Em seguida, o autor tenta traçar uma forma de diferenciar o exilio da diáspora. Segundo Peters, o contraste-chave com a diáspora esta na ênfase desta sobre relações laterais e descentradas entre os dispersados.

O exilio sugere um pesar (pining) pela ausência do lar; a diáspora sugere redes entre os compatriotas. O exílio pode ser solitário, mas a diáspora e sempre colectiva. A diáspora sugere relações reais ou imaginadas entre companheiros disseminados, cuja noção de comunidade e sustentada por formas de comunicação e contacto tais como o parentesco, a peregrinação, o comércio, a viagem e a cultura comum, língua, ritual e escritura. Algumas comunidades na diáspora talvez se movimentem para retornar ao país de origem, mas a norma que diz que o retorno é desejável ou mesmo possível não faz necessariamente parte da diáspora hoje em dia.

A fim de melhor organizar o esforço conceitual apresentado até aqui, é possível afirmar que uma das bases fundamentais do pensamento sobre o exílio e a separação traumática, presente no pensamento de Suvin, na sua postulação de que o exílio normalmente afasta qualquer possibilidade de retorno, mas que, por sua vez, reflecte-se em sentido inverso sobre a noção de Peters da presença permanente do desejo por este retorno. Trata-se de um desenrolar psíquico da experiência do exílio, localizado nas fantasias compensatórias e mesmo nas paranóias engendradas por toda forma de proibição e que, com frequência, interfere nos projectos políticos aos quais muitos exilados se dedicam. Ambos, no entanto, deixam de considerar os casos em que os exilados se adaptam de forma tão absoluta ao novo país que deixam de ser exilados e comumente adquirem uma cidadania substituta ou alternativa.
A diáspora, por sua vez, representa um problema conceitual mais aberto. Segundo a leitura feita por James Clifford do trabalho de Safran, ela encontra traços comuns com o exilio em sua ênfase na sustentação de um mito da terra natal, a pátria, e no desejo de retorno a esta pátria. Entretanto, se comparada com a nomenclatura de Suvin, a diáspora pode congregar tanto os refugiados quanto os emigrados, não apenas por seu carácter colectivo, que a diferencia do exílio, mas também pelo facto de que sua origem pode ser tanto politica quanto económica. Ainda segundo Suvin, o retorno é uma possibilidade remota para refugiados e emigrados. Este ponto afasta os refugiados e emigrados, na análise de Suvin, do conceito de diáspora formulado por Safran e citado por Clifford, ao mesmo tempo em que os aproxima da noção de Peters, muito mais interessado em redes formadas no país anfitrião pelas comunidades diaspóricas do que na fixação sobre um projecto de retorno ao país natal.
O que se depreende das complexas inter-relações apresentadas acima e que os exilados, refugiados e emigrados podem, eventualmente, no âmbito de determinadas circunstancias, estabelecer colectividades diaspóricas. Isto depende enormemente da forma com que os agrupamentos formados no exterior interagem com as causas que os levaram a deixar a sua terra natal e com as relações estabelecidas no país anfitrião. Em certo sentido, a dificuldade de se traçarem fronteiras exactas entre o exilio e a diáspora e compensada pela possibilidade de se pensar que esta última pode trazer a experiência do exílio uma leveza que e negada toda-vez que o pesar pela perda (temporária ou não) do contacto com a pátria ocupa todo o espaço experiencial daqueles que vivem longe da terra das suas memórias mais estruturantes. Por esta razão, muitos dos pensadores que analisam os deslocamentos humanos tendem, hoje, a concordar com a noção de que o exílio criou relações históricas com o nacionalismo, que pode se tornar o companheiro ideal para a xenofobia, ao passo que a diáspora se aproximou, nas décadas mais recentes, das relações transculturais e transnacionais. Enquanto o estudo dos movimentos humanos sistematizou-se a partir do surgimento de novas disciplinas no campo das ciências humanas, como a antropologia e a sociologia, e do fortalecimento de outras mais antigas, como a história e a geografia, a relação entre tais movimentos e deslocamentos e a literatura remonta à Antiguidade ou, talvez, aos primórdios da escrita». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer, Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.

Cortesia da UFMGerais/JDACT