quarta-feira, 2 de julho de 2014

Mitos Celtas da Irlanda. Canal História. «Sou o vento que sopra sobre o mar; sou a onda das profundezas; sou o rugido do oceano; sou o Gamo de Sete Batalhas; sou um falcão no penhasco; sou um raio de sol…»

Lugh surge para conduzir os Tuatha de Danann à vitória na Segunda Batalha de Moytura. (Ilustração de Jim Fitzpatrick)
Cortesia de wikipedia

Ciclo Mitológico. O Livro das Invasões da Irlanda
«(…) Lugh, Manannan mac Lír, Brighid, Morríghan, Dagda, Nuada, Ogma, Angus Óg, Bóann, quem se interessa por mitos e lendas celtas certamente já viu ao menos alguns desses nomes antes. São os mais importantes deuses e deusas da mitologia celta irlandesa, seres poderosos, divinos, passionais, carismáticos. Oriundos de quatro cidades míticas, Falias, Findias, Gorias e Murias, de onde trazem quatro tesouros, os Tuatha de Danann chegam à Irlanda vindos do Oeste, a direcção do Outro Mundo, em navios mágicos envoltos por uma bruma que eclipsa o sol por três dias. São eles a introduzir na Irlanda o conhecimento druídico (draíocht), bem como a criação de suínos.
Eles derrotam os Fir Bolg na Primeira Batalha de Moytura, e depois, sob a liderança de Lugh Lamfhóta, finalmente repelem os temíveis Fomorianos de uma vez por todas na Segunda Batalha de Moytura, estabelecendo uma era dourada de paz e prosperidade durante a qual reina a magia e a força desses deuses e deusas. Uma dessas deusas é Ériu, que, ao lado de suas irmãs Banba e Fotla, personifica as terras da Irlanda. A chegada dos Milesianos, um grupo de mortais liderados por Mil Espáine, põe fim ao domínio dos Tuatha de Danann que, dali por diante, passam a habitar as colinas ocas e/ou as ilhas paradisíacas a oeste da Irlanda, entre os nomes para esse Outro Mundo, Emain Ablach, a Fortaleza das Macieiras (associada à Avalon Arthuriana) e a Ilha dos Abençoados, Hy Brasil. Mas tal feito só é alcançado pelos Milesianos quando seu poeta, Amergin, promete eternizar o nome de Ériu como nome da própria Irlanda, com efeito, o nome da República da Irlanda, Éire, até hoje mantém viva a magia e a força dessa deusa.
De forma grosseira, podemos dizer que os Tuatha de Danann deixam de habitar este mundo e passam a viver noutra dimensão, mais súbtil, espiritual, mas ainda em contacto com esta realidade. Prova disso é sua habilidade de transitar entre nós, mortais, graças ao encantamento conhecido como féth fiada (maestria da névoa) ou ceo druídecta, o fog druídico, através do qual o utilizador fica invisível ou assume a forma de um animal, uma habilidade de evidente natureza xamânica, posteriormente associada também a São Patrício. Os Milesianos são a última onda migratória a se assentar na Irlanda. Após derrotarem os poderosos Tuatha de Danann, o povo liderado por Mil Espáine se estabelece nas terras irlandesas e encerra o Livro das Invasões. De todos os factos narrados no texto mitológico, a invasão dos milesianos parece ser a que mais possui equivalência histórica, por sua associação com os Goidels, tribos históricas e ancestrais directos dos modernos irlandeses.
Segundo o Livro das Invasões, os Milesianos vêm da Cítia (área hoje ocupada pela Bulgária, Rússia e Cazaquistão) e se instalam na Península Ibérica, na região onde hoje fica a cidade portuguesa de Bragança (Trás-os-Montes, uma área rica em vestígios da ocupação celta pré-romana). De lá, após avistarem a Irlanda do alto de uma torre, enchem-se de desejo de habitar aquela ilha verdejante. Assim, os milesianos rumo a Irlanda, onde aportam durante Beltaine. Ao lá chegarem, são obviamente desafiados pelos poderosos Tuatha de Danann, então senhores das terras irlandesas. A conquista dos milesianos só se dá após embates físicos e mágicos com os Tuatha de Danann, durante os quais os Milesianos demonstram grande conhecimento da mais poderosa forma da magia: a maestria das palavras. Um dos mais belos exemplos dessa magia é o poema recitado por Amergin, o primeiro bardo da Irlanda, ao desembarcar em solo irlandês:

Sou o vento que sopra sobre o mar;
sou a onda das profundezas;
sou o rugido do oceano;
sou o Gamo de Sete Batalhas;
sou um falcão no penhasco;
sou um raio de sol;
sou a mais verdejante das plantas;
sou um javali em fúria;
sou um salmão no rio;
sou um lago na planície;
sou uma palavra de Sabedoria;
sou a ponta de uma lança;
sou a fascinação para além dos confins da terra;
como os deuses, posso mudar de forma.

In Canal História, Jean Markale, Wikipédia.

Cortesia de CHistória/JDACT