«(…) Implantado o regime
republicano, que perspectivas se abriram para essa mocidade das escolas tão lisonjeada
durante os tempos da propaganda oposicionista? O desencanto manifesto
nas páginas dos jornais republicanos académicos,
poucos meses após a euforia que rodeou a revolução, traduz a existência de um
crescente desencontro entre os que aspiram a uma radical transformação das
estruturas universitárias e aqueles que, tornados sóbrios e sisudos pelas novas
responsabilidades governativas, fazem a apologia da moderação. Enquanto, nas
escolas, se reivindica a equidade nas relações docente/discente, a par de uma
nova metodologia de ensino, enquanto, em Coimbra, a chamada falange demagógica investe contra os
símbolos da tradição (com um programa
semelhante ao dos intransigentes da greve de 1907 formou-se em
Coimbra, no alvorecer da República, um grupo académico, de renovação
democrática, que, a si próprio se denominando de falange demagógica, investiu,
em 17 de Outubro, a tiro de cacete, as doutrinas e a decoração da Sala
dos Capelos, chegando até a perfurar, à bala, algumas das efígies que ali
formam, ainda hoje, a galeria histórica dos monarcas portugueses),
António José de Almeida, na sua função de ministro do Interior, declara em plena Assembleia Constituinte que Quem praticou actos dignos de castigo há-de
ser castigado, porque é preciso que a ordem se implante, de uma vez para
sempre, em Portugal.
Frustrado o radicalismo juvenil perante o evoluir dos acontecimentos e dos
actores históricos, iludidas as expectativas numa República afeiçoada aos mais
nobres ideais de incorruptível intransigência política, de generosa justiça
social, de coerente cumprimento das suas promessas, adiada, enfim, a
concretização da Utopia, são
encetados outros caminhos, alinhadas outras tendências. Um pouco por todo o
lado trabalha-se, de novo, na reorganização do movimento associativo,
planejando-se o relançamento da Federação Académica de Lisboa. Em 1913,
após um movimento iniciado em Março pela Associação Académica do Instituto
Superior do Comércio, logo secundado pelas associações Académicas das
Faculdades de Letras e Ciências, da Escola de Medicina Veterinária e dos Institutos
Superiores Técnico e de Agronomia, é fundada a tão almejada Federação
Académica de Lisboa. Dois anos mais tarde, em Março de 1915, publica-se o
primeiro número da Revista da Federação Académica de Lisboa, precioso
documento para o estudo do clima ideológico no meio estudantil, cinco anos
volvidos sobre o 5 de Outubro e em plena ditadura de Pimenta de Castro.
Os propósitos da Revista, que pretendem ser idênticos aos
propósitos da Federação de que é porta-voz, são enunciados no artigo de
apresentação. Depois de se declarar que em torno da bandeira da Federação
Académica, símbolo da obra de
confraternização e progresso que se propõe efectivar, se enfileiram, como soldados do Bem e do Dever, todos
os estudantes, prontos a defenderem os seus interesses, que são os interesses
da Pátria, é abordado o plano de realizações que a Revista pensa levar a
cabo:
- Propondo-se realizar uma obra verdadeira e acentuadamente patriótica, esforçar-se-á por inserir artigos em que se abordem e discutam principalmente assuntos de interesse nacional, desde a mais simples comemoração histórica que recorde passadas glórias até aos mais complexos e autorizados projectos de comércio, de indústria, de agricultura, de finanças, de colónias, de instrução e educação que possam directamente concorrer para o renascimento português, fazendo ingressar a Nação no movimento moderno, de que anda, infelizmente, tão afastada.
A vocação da academia para os altos voos da história surge-nos, agora, alicerçada
nos valores Progresso, Dever, Renascimento e Pátria. Poder-se-á objectar
que foi em nome do Progresso e para o Renascimento da Pátria que se difundiu o
ideal da República. Nada mais exacto. Simplesmente, antes de 1910 foi o valor máximo República que a
academia, com toda a carga de religiosidade e utopismo que caracteriza os
grandes impulsos colectivos, orientou a sua acção. Ulteriormente, tanto em 1915 como em 1918 e, mais tarde, em 1926,
um vasto sector da juventude, que ainda se reclama do republicanismo, tende a
apostar numa revisão das formas que configuram o regime republicano. Neste
sentido, muitos apoiam o professor Lino Neto quando este escreve, na Revista
da Federação Académica de Lisboa, que a
unidade da Pátria está enfraquecida. Todos os partidos políticos dos últimos 85
anos, além de outros factores de secundária importância, fizeram dela o que quer
que seja de triste e de confrangedor. Uns poucos, noutro quadrante ideológico,
escutam o pedagogo António Sérgio, lêem as suas palavras: Cumpre à mocidade estudar e discutir as
questões vitais do seu país, mas de maneira alguma imiscuir-se nas brigas
partidárias; o seu dever é exprimir, acima
dos partidos (de todos eles)
o verdadeiro protesto da Nação [...] Outros há, porém, que,
teimosamente fiéis ao ideário que lhes foi legado pelos seus antecessores,
acorrem sempre que vêem perigar o sistema republicano liberal e parlamentar». In
Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes
Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.
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